Quase seis meses depois de sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a lei que instituiu o aumento do aviso prévio ainda gera dúvidas entre os trabalhadores e provoca impasse entre magistrados.
O aviso prévio é a comunicação antecipada e obrigatória do fim do contrato de trabalho, feita pelo empregado ou pelo empregador. Depois disso, as partes precisam acertar se o empregado continua trabalhando.
O período mínimo a ser cumprido após a rescisão do contrato é de 30 dias. Pela nova lei 12.506/2011, para cada ano acima disso, o aviso prévio aumenta em 3 dias, até o limite de 90 dias. Mas e se o trabalhador ficou no emprego por 2 anos e dois meses? E se entrou na empresa antes da nova lei?
Como funciona
Antes da lei, o trabalhador cumpria o aviso prévio conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Se deixava o emprego voluntariamente, tinha que continuar trabalhando por 30 dias. Se não quisesse, deveria ressarcir a empresa. Já, quando o empregado era dispensado, a empresa deveria mantê-lo no trabalho por 30 dias ou liberá-lo, pagando pelo período não trabalhado.
Antes da lei |
Depois |
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30 dias de aviso prévio |
Mantém os 30 dias para até um ano de emprego – Para cada ano adicional de serviço, aumenta 3 dias, até o máximo de 90 |
Para cumprir ou receber aviso prévio pelo período máximo (90 dias), o trabalhador precisa ter vínculo empregatício com o contratante por pelo menos 20 anos.
Uma regulamentação por parte do governo federal para deixar clara a aplicação da legislação, prometida pelo Ministério do Trabalho, não tem previsão para sair. No entanto uma circular interna, emitida no fim do ano passado e destinada a servidores que atuam com rescisões de contratos de trabalho, dá uma diretriz do que pensa o governo federal sobre o assunto.
Entre as principais questões que estão sendo discutidas na Justiça trabalhista envolvendo a nova lei estão itens como: a partir de quando o trabalhador tem direito ao acréscimo no aviso prévio, quando o prazo do direito começa a ser contado, se há diferença na proporcionalidade para quem tem 2 anos e 2 meses ou para quem tem 2 anos e 9 meses, por exemplo, e se vale tanto para o empregado como para empregador.
Quem tem direito?
A circular 10/2011, de 27 de outubro de 2011, assinada pela Secretaria das Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, destaca que a contagem do acréscimo de tempo deverá ser feita a partir do “segundo ano completo” de empresa. Com isso, só teria direito a 3 dias a mais o trabalhador que tivesse pelo menos 2 anos e 1 dia de serviço.
“O acréscimo de que trata o parágrafo único da lei somente será computado a partir do momento em que se configure uma relação contratual de 2 anos ao mesmo empregador”, diz a circular.
“Não existe proporcionalidade pela forma que está na lei. […] A lei diz que, até 1 ano, tem direito a 30 dias. A partir do segundo ano, 1 ano e 1 dia pelo menos até 2 anos completos, já tem direito a 33 dias.”
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Blair, doutor em Direito Constitucional, o tempo adicional é garantido a todos com mais de 1 ano de empresa. Para ele, o que pode gerar dúvidas é a questão da proporcionalidade, se o trabalhador com 1 ano e 1 dia de empresa tem o mesmo direito que outro com 1 ano e 9 meses, por exemplo.
“Essa questão, se não for regulamentada em um decreto, acredito que vai acabar sendo resolvida pelo Poder Judiciário com o sistema de cômputos proporcionais, como acontece com as férias e o 13º. A tendência é pela proporcionalidade." Para ele, a circular do Ministério do Trabalho é uma “medida cautelosa na ausência de critérios” para evitar multar empresas que não pagarem o aviso prévio proporcional para empregados com menos de 2 anos de serviço.
Já o magistrado Germano Siqueira, diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra), concorda com a circular do governo. “Essa é uma interpretação que explicita bem o sentido da lei. Com o segundo ano completo virão mais 3 dias somados aos 30 iniciais. É claro que, além de uma regulamentação que explicite isso, deve haver ampla divulgação pelo Ministério do Trabalho e pelos sindicatos”, diz Siqueira.
Quando o direito começa?
De acordo com o juiz trabalhista Rogério Neiva, da 20ª Vara do Trabalho de Brasília, a maioria das reclamações sobre novo aviso prévio que já entraram nas varas trabalhistas se refere ao período a partir do qual o direito começa: se vale para contratos de trabalho em andamento na publicação da lei ou o tempo superior só começa a ser considerado a partir da publicação – uma pessoa com 20 anos de empresa demitida 1 dia depois da publicação já tem direito ou os 3 dias por ano começam a ser contados depois que a lei foi publicada, por exemplo.
A circular interna do ministério diz apenas que o direito começa a valer para quem entrar de aviso prévio a partir da publicação. “Eu levo em consideração o prazo a partir da publicação da lei, mas a lei não disciplinou nada. […] Esse é um assunto ou do poder Legislativo, para que discipline em uma nova lei a partir de quando produz efeito, ou do poder Judiciário, enquanto intérprete da lei. O Executivo não pode criar direitos nem obrigação, pode dizer como cumpre e isso simplesmente não resolveria esse ponto que, na minha opinião, é o principal questionamento”, afirma Neiva.
O magistrado destaca que o aviso prévio proporcional é uma questão sensível porque a partir dele são feitos cálculos de outros direitos, como férias, 13º salário e FGTS.
O texto original da CLT – de 1943 – não previa o aviso prévio proporcional, termo que foi incluído na Constituição de 1988 no artigo 7º, que trata apenas dos direitos do trabalhador. Para alguns juristas, isso indica que o trabalhador não deve ser obrigado a cumprir aviso prévio superior a 30 dias ou ressarcir o empregador. Essa também é a interpretação do Ministério do Trabalho na circular do ano passado.
O desembargador Andre Damasceno, do TRT-10, discorda dessa tese e crê que trata-se de um direito de mão dupla. “A CLT que continua vigente fala tanto do empregado como do empregador. A interpretação é de que é um direito das duas partes.”
Damasceno afirma que uma regulamentação por decreto “ajudaria a direcionar a solução”, mas afirma considerar “mais provável que o tema seja pacificado na Justiça.”
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Vieira Caixeta, argumenta que “interpretações equivocadas” da nova lei podem gerar “insegurança”. “Não nos parece razoável que uma lei para regulamentar um dispositivo da Constituição que trata do direito do trabalhador se aplique a ele. O trabalhador não tem que dar aviso superior. […] Tem um problema de redação e [o texto] poderia ter sido melhor elaborado.”
Ele afirma que um decreto presidencial sobre o tema poderia deixar o direito “bem às claras”. “A nova lei pode levar a acionamentos na Justiça de tema que, talvez com um decreto, não gerassem necessidade de discussão judicial.”