Sessão Solene em homenagem ao Centenário de nascimento do Jurista Geraldo Bezerra de Menezes
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região
Por Mônica Bezerra de Menezes Picanço
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Representar uma família tão numerosa não é tarefa fácil, ainda mais nas circunstâncias que hoje se configuram. Deveria estar aqui, nos representando, o nosso irmão Geraldo Bezerra de Menezes que, infelizmente, foi hospitalizado ontem. Aqui estaria bem mais à vontade do que eu. Sou psicóloga, professora universitária, o que me leva a crer que, certamente, ele e tantos outros da família que militam na área do Direito poderiam usar da palavra com mais propriedade nesta cerimônia. Fomos pegos de surpresa. Confesso ser uma surpresa que emociona e traz enorme responsabilidade.
Mas, o momento é de festa! Mais do que isso, o momento é de gratidão! Por isso, ouso assumir este lugar para, e tão somente, agradecer. Agradecer em nome de toda a família por esta homenagem que, hoje, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, na pessoa da sua presidente, a Desembargadora do Trabalho Maria das Graças Cabral Viegas Paranhos, presta ao nosso pai, por ocasião do centenário de seu nascimento. Somos todos muito gratos!
Por extensão, quero publicamente agradecer ao nosso pai. Pois, se temos o que comemorar em seu centenário é porque ele fez muito e nos ensinou muito. Todos nós tivemos um grande encontro com este homem, que ao longo da sua vida se fez jurista, professor, filho, esposo, pai, avô, bisavô, amigo… Homem. Homem de ideais, homem de fé, de crenças e valores que tocaram e continuam a tocar quantos tomam contato com a sua obra.
Ainda que não tenha seguido a área do Direito, fui marcada, como praticamente todos da nossa família, por questões relativas à justiça social, aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana. Discussões com este teor faziam parte do nosso cotidiano. Tivemos o privilégio de conviver com o homem que era o exemplo vivo das suas ideias.
Não por acaso, me aproximei em minha área de atuação – o desenvolvimento infantil – de estudos sobre os direitos da criança. Tive a grata oportunidade de ter artigo publicado no livro “Novos Estudos de Vitimologia” (2011), organizado pela Dra. Ester Kosovski e pelo Dr. Heitor Piedade Júnior. O artigo trata da obra do Dr. Janusz Korczak, conhecido como o precursor dos direitos da criança. Dizia Korczak, por ocasião da 2ª Guerra: “Sinto vergonha de ter o que comer, quando sei que as crianças têm fome; tenho desgosto de sorrir, quando vejo ao meu redor jovens faces atormentadas (…)”.
Vejam só a marca da educação que recebemos! Não somos alheios ao outro. Em seu livro “A vida substancial do espírito”, meu pai expressa:
Na sociedade pluralista, em que vivemos, provada a sinceridade de propósitos, e com a prudência imprescindível, sob clima de ‘lealdades discordantes’, justificar-se-ia trabalho geral ou comum em favor da promoção humana.
Concluiu:
Sem dúvida, homens que se contrapõem, nas concepções teóricas podem chegar a um acordo meramente prático em relação a uma lista de direitos humanos. (p.68, 1994).
Nosso pai soube lutar por esses direitos. Honrou o “juramento” que fez quando jovem, e registrou em poesia intitulada “O Estaleiro”, publicada no livro “A Alma do Homem” (1999), que reproduzo a seguir:
No meu São Domingos,
Diviso o estaleiro:
– Bom Dia, operário,
Irmão brasileiro!
Contemplo o trabalho,
Sem lei, sem justiça,
Que o pobre amargou.
Nas cenas amargas,
Bendigo o roteiro,
Que Deus me traçou.
Ali, no velho estaleiro,
Clamor de criança aturdida,
Trabalhador brasileiro,
Eu conheci tua vida!
Na luta, no sofrimento,
Sem teto, pobre, esquecido,
Selei o meu juramento,
Servir-te quando crescido.
Assim ele fez. Por isso estamos aqui.
Não podemos nos conformar com “A Banalização da Injustiça Social” (1999) como sinaliza Richard Sennett, nem com “A corrosão do Caráter” (2012), outra obra deste mesmo autor, na qual expressa que “o desenvolvimento do caráter depende de virtudes estáveis como lealdade, confiança, comprometimento e ajuda mútua”. Sennett trata, ainda, em livro intitulado “Juntos” (2012), “da importância da cooperação, da necessidade que temos de aprender a ouvir bem e avaliar, em vez de duelar verbalmente”.
Isto já havia aprendido com meu pai. É ele quem diz:
Diálogo é diálogo, importa em dizer, sinceridade, compreensão, respeito, paciência, lisura. Não é alvoroço, não é tumulto, não é facciosismo, não é impostura, não é afronta, não é agressão; nem cumplicidade, nem fraqueza, nem favorecimento, nem experiência leviana, menos ainda acomodação precipitada e suicida. (A Vida Substancial do Espírito. p. 62,1994)
“Diálogo é diálogo”. Ora, a sociedade está aí para demonstrar a atualidade destas palavras. A atualidade dos ensinamentos que nos deixou. Nosso irmão Geraldo, em pronunciamento na inauguração da Sala de Júri Simulado da Faculdade de Direito, nos Institutos Superiores de Ensino La Salle-RJ, referiu-se ao nosso pai como “Homem do Direito do Trabalho, homem da doutrina social da igreja” (2009). E nos lembrou que entre o capital e o trabalho, nosso pai emitia sentença definitiva:
O Estado moderno é democrático, não por forças de princípios, mas sobretudo porque, elevando e dignificando o trabalho, reconhece nele o elemento básico da vida em sociedade.
Para encerrar este agradecimento, que ratifica o sentido de comemorarmos o centenário de Geraldo Bezerra de Menezes, trago outro texto significativo. Disse ele, em 1959, em seu trabalho “A Dignidade da Pessoa Humana”:
Verdade irrefutável: o Estado existe para o homem, e não o homem para o Estado. O papel deste, ou melhor, o que cumpre, para assegurar o progresso coletivo e a paz, definida como ‘tranquilo convívio na ordem’ (S. Tomás de Aquino, Suma Teológica), é pôr as leis e a autoridade a serviço do bem comum, com justas limitações à liberdade, importa em dizer, atento aos valores essenciais do homem.
Que todas as comemorações sirvam para nos lembrar da importância, não só do homem Geraldo Bezerra de Menezes, mas dos “valores essenciais do homem”.
Muito obrigada!