Magistradas abordam segregação social do filme ‘Os Miseráveis’, em live cultural

A segregação, a miséria e a violência retratadas no filme “Os Miseráveis” foram aspectos debatidos na live cultural da AMATRA1 de sexta-feira (16). Ambientada em Montfermeil, no subúrbio de Paris, a obra levanta questões sociais presentes em diversas cidades, como o Rio de Janeiro. A desembargadora Maria Helena Motta, a juíza aposentada Benimar Medeiros e a ex-presidente da AMATRA1 Áurea Sampaio, mediadora da conversa, abordaram os temas e compararam com a dinâmica da sociedade brasileira. O debate está disponível no canal da AMATRA1 no YouTube e no Facebook.

Apesar de não ser um documentário, o longa-metragem foi inspirado nas experiências do diretor da obra, Ladj Ly, francês descendente de imigrantes do Mali que vive em Montfermeil. A história mostra a interação violenta entre membros de uma brigada anticrime e os jovens da periferia. Recém chegado ao grupo, o policial Stéphane (Damien Bonnard) passa a conviver com os métodos nada convencionais dos veteranos Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga). 

“Esse filme é muito importante porque é quase universal. O que acontece lá, acontece aqui no Brasil”, afirmou Áurea, diretora da AMATRA1. A magistrada destacou que a violência policial também é presente nas comunidades cariocas, mas é banalizada. “Quando alguém é baleado na favela, sempre dizem ‘mas era um trabalhador, um estudante’, como se precisasse justificar. Se fosse uma pessoa branca da Zona Sul, ninguém ia dizer isso”, completou.

Descrevendo a obra como impactante, interessante e atual, Maria Helena também ressaltou que, apesar de ser uma história focada em Montfermeil, poderia ser passada em diversas cidades, como o Rio de Janeiro, apesar de determinadas diferenças. No entanto, pontuou que a ideia do diretor é expor a realidade francesa e transmitir o isolamento dos cidadãos dentro de seu próprio país.

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Live cultural vai debater questões sociais abordadas no filme ‘Os Miseráveis’

“A população me parece estar abandonada à própria sorte. Seguem algumas regras locais rígidas, com costumes muito próprios, mas vive à margem do Estado. A sensação que tive é que Montfermeil é outro país. Não consigo perceber como sendo integrante da França ou, ainda, de Paris. Talvez, indo a determinados locais no Rio de Janeiro, também tenhamos a mesma sensação”, disse a desembargadora. 

A contradição entre a beleza de Paris e a vida na periferia, dos momentos de comemoração após conquista da seleção francesa na Copa do Mundo de 2018 para as cenas de violência, chamou atenção de Benimar. Ela destacou que, inicialmente, as cenas parecem indicar uma história suave, mas a sequência retrata a opressão a qual o grupo é submetido. “Essa população é segregada. Quem vai a Paris, não vê e nem imagina isso”, afirmou.

Outro aspecto debatido por Benimar é a falta de investimento em cultura, infraestrutura e educação. Ela citou uma entrevista em que Ladj Ly aponta a falta de acesso da população da periferia francesa a essas questões. Para a magistrada, o cenário francês é semelhante ao brasileiro. “Além de não termos investimento urbano, não temos educação e cultura”, disse. Diretora da AMATRA1 de Cidadania e Direitos Humanos adjunta para o Programa Trabalho Justiça e Cidadania (TJC), que leva a temática para alunos de escolas públicas, ela reforçou a importância da educação e da cultura para a formação de crianças e adolescentes. “O que queremos para eles senão algo mais que matemática, ciência? Queremos cidadania e noções de Direito. Queremos formar jovens pensantes, que tenham a capacidade crítica.”  

A desembargadora Maria Helena também falou sobre a naturalização da violência, presente em pequenos atos como o de passar por pessoas em condição de rua e a situação não gerar tanta comoção. 

“Há essa naturalização em todos os sentidos, com os famintos, com os pobres, com os desempregados. E a vulnerabilidade é mostrada no filme não só em relação à polícia, mas a tudo. Falta educação e a consciência de que são pessoas, que podem ser, participar e lutar para ser integrado à sociedade.”

Veja a live na íntegra: