Após mais de duas décadas de dedicação ao Judiciário trabalhista, as juízas Rosemary Mazini e Anita Natal se aposentaram em 2021. Com uma trajetória similar – ambas se formaram em Direito na UFF (Universidade Federal Fluminense) e atuaram como servidoras do TRT-1 antes do ingresso na magistratura – os planos para o futuro longe das varas do Trabalho também têm um ponto em comum: a educação. Ao site da AMATRA1, elas falaram de seus projetos pessoais, dos desafios da carreira e da importância do movimento associativo.
Desde a infância, Anita sonhava em ser juíza. Depois de 26 anos advogando na área trabalhista da Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), chegou ao Tribunal em 1994, onde atuou como servidora até passar em concurso para a magistratura e ser empossada juíza substituta, em 1998. Atuou em muitas varas até ser promovida à titularidade em 2016, assumindo a 1ª Vara do Trabalho de Cabo Frio, em que permaneceu até se aposentar por tempo de serviço, em 8 de julho.

Agora, vislumbra muitas possibilidades para ocupar seu tempo livre, sendo a principal delas o retorno às salas de aula universitárias. “Ainda não decidi o que vou fazer, mas penso em cursar outra graduação. Gosto muito de história, letras e paisagismo. Vou analisar com calma para decidir”, disse.
Os projetos de Rosemary também incluem as salas de aula, mas por outro prisma: o de professora. Aposentada em 27 de outubro, ela ingressou no TRT-1 em 1997, ao passar no concurso para servidora. Aluna da primeira turma da Ematra (Escola de Magistratura da Justiça do Trabalho), foi aprovada no exame para a magistratura em 2001. Esteve à frente da 3ª Vara do Trabalho de São Gonçalo de 2014, quando tomou posse como juíza titular, até a data de sua aposentadoria.
“Por enquanto, vou descansar um pouco, porque foram muitos anos de uma carga grande de trabalho. Mas tenho projetos, pois sinto que ainda sou capaz de produzir”, afirmou Rosemary. Seu plano futuro inclui a qualificação para se tornar educadora popular e atuar na alfabetização de adultos.
“Sempre quis colocar essa ideia em prática, mas é algo que demanda tempo e requer dedicação e preparo. Hoje, um adulto que não sabe ler e escrever está à margem de tudo. Vemos muitas ações voltadas a crianças, mas é raro encontrar iniciativas para adultos. E é uma atividade difícil, até mesmo para motivá-los a começar a estudar, porque muitos priorizam o trabalho.”
Desafios no Judiciário trabalhista
Sentenciar de forma imparcial foi destacado pelas duas como grande desafio da vida profissional. “Também sempre tentei prestar uma boa jurisdição e atender bem a todos. Acredito que minha trajetória tenha sido boa. Procurei dar o melhor de mim em todo tempo em que estive em atividade”, afirmou Anita.
Rosemary pontuou, ainda, como aspectos que precisou superar em sua carreira, o fato de ser um trabalho solitário, já que, “muitas vezes, o magistrado não cruza com seus colegas dentro de um mesmo fórum”, e o intenso volume de demandas complexas. Nos últimos anos, outro grande obstáculo foi o desmonte da legislação trabalhista – um dos motivos que a conduziu a solicitar a aposentadoria.
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“No Brasil, passou-se a se conjugar o verbo ‘flexibilizar’, como se fosse uma forma de contornar a crise. Mas o verbo ‘flexibilizar’ sempre foi encarado como um sinônimo de ‘precarizar’. Na verdade, o intuito é tirar direitos, desamparar o trabalhador. Isso está nos levando ao desmonte do arcabouço jurídico de visão mais protecionista, que temos desde a criação das leis. Não vejo uma proposta boa, que vise garantir melhores salários. Todas as reformas que têm surgido desde a Reforma Trabalhista de 2017 são apenas para precarizar, infelizmente, e tornar o contrato desigual para o empregado”, lamentou Rosemary.
Ela avalia positivamente sua trajetória de dedicação à Justiça do Trabalho. “Encerrei meu ciclo no TRT-1 com a consciência muito tranquila de que fiz o possível para entregar o melhor serviço. Sempre procurei me qualificar, estudar, acompanhar as mudanças da lei. E também sempre procurei olhar quem estava por trás dos processos, ver as pessoas. Tentava fazer minhas sentenças com responsabilidade social, sem me afastar do que a lei estabelecia e equilibrando a lei e o justo.”
Importância do movimento associativo
A relação de Anita Natal com o associativismo começou antes mesmo de seu ingresso na magistratura. Ainda como advogada, ela frequentava as ações promovidas e fomentadas pela AMATRA1 e outras entidades ligadas. Em 1976, durante um dos congressos anuais, presenciou a fundação da Anamatra. “Meu sonho era cada vez maior de, um dia, pertencer a esse grupo também.”
A magistrada aposentada avalia o movimento associativo como fundamental – “não só para congregar as pessoas e promover a solidariedade, mas também gerando aprimoramento na profissão e auxiliando os associados em suas questões individuais”. Ela contou ter conseguido se aposentar graças a uma ação da associação nacional.
“Nunca pensei em me aposentar, então não cuidei de averbar meu tempo de serviço no INSS. Pela Anamatra, obtivemos o direito da contagem do tempo de serviço na advocacia, então não precisei correr atrás das contribuições do INSS, pois o tempo na advocacia foi contado com o tempo como servidora e magistrada. Teria tido muito mais dificuldade para obter todos esses comprovantes e me aposentar. Tenho grande gratidão pelas associações”, afirmou.
Ligada à AMATRA1 desde de sua entrada na magistratura, Rosemary Mazini integrou as diretorias dos mandatos dos ex-presidentes Paulo Périssé, em 2013, e Clea Couto, em 2015. Como aposentada, pretende permanecer próxima às iniciativas da entidade. Em sua visão, a existência das associações de classe é essencial para efetivar a democracia.
“As pessoas mais novas, que passaram grande parte da vida inseridas em uma realidade democrática, não sabem o que é não ter liberdade de pensamento, muito menos de ação. Então, aprendi que é de suma importância ter uma entidade para dar voz a todos. Ainda hoje, associações e sindicatos são relevantes não só para conquistas materiais, mas por formarem pensadores humanistas e para congregar os juízes.”
Para Rosemary, a atuação dos grupos “oxigenam a mente e trazem novas reflexões”. “Estamos vivendo uma crise do humanismo, em que o individualismo é exaltado. As associações têm uma função muito importante para resgatar o pensamento coletivo e de solidariedade”, concluiu.
*Primeira foto: Rosemary Mazini/Arquivo pessoal