“A eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho é requisito para a construção de um mundo mais igualitário, com oportunidade para todas e todos.” A frase da desembargadora Carina Bicalho no podcast do Instituto Patrícia Galvão indica a razão pela qual o Brasil deve ratificar a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entrou em vigor em junho e ainda não conta com o país em seu rol de estados-membros. A magistrada participou do quinto episódio da série “Violência e Assédio Contra Mulheres no Trabalho”, promovido pela instituição.
Carina afirmou que a sociedade machista e patriarcal determina, historicamente, os locais autorizados e não autorizados para as mulheres transitarem: o lugar de cuidado, doméstico, é destinado às mulheres, enquanto os lugares públicos e de poder são reservados aos homens. Essa dinâmica se reproduz, também, nas relações profissionais, pontuou a desembargadora.
“As mulheres são oprimidas desde sempre. Portanto, de alguma forma, se naturaliza, relativiza e invisibiliza a violência. Assim, as próprias mulheres têm dificuldade em reconhecer a agressão e a violência contra si – se sentem desconfortáveis, mas têm dificuldades de compreender a causa. E também se sentem culpadas por essa violência”, destacou.
Leia mais: Ronaldo Callado apresenta demandas dos juízes ao corregedor-geral da JT
Projeto da OIT vai treinar e inserir pessoas trans no mundo do trabalho
‘Entre lutas e barricadas, vivemos um Brasil democrático’, diz ministro Fux
Segundo a pesquisa “Percepções Sobre a Violência e o Assédio Contra Mulheres no Trabalho”, feita pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, em outubro de 2020, 36% das trabalhadoras afirmaram já terem sofrido preconceito, abuso e humilhação no trabalho, motivados por serem mulheres. No entanto, quando questionadas sobre situações como xingamentos, gritos, convites para sair ou contextos constrangedores, 76% reconheceram já ter passado por um ou mais episódios de violência, constrangimento e assédio no local laboral.
Carina ressaltou que a Convenção 190 da OIT foi criada por supor como verdadeira as características machistas da sociedade e por reconhecer a violência contra as mulheres como causa e consequência de prejuízos ao mercado de trabalho, à economia, à produtividade e ao bem-estar.
“Por isso, a Convenção prega uma política de tolerância zero com a violência e o assédio, e chama seus estados-membros à responsabilidade de promover um meio ambiente de trabalho positivo, diverso e que permita que as trabalhadoras desenvolvam suas habilidades livre de agressões.”
Impacto da violência doméstica no trabalho
A Convenção 190 também reconhece o papel das empresas no combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Carina afirmou que, muitas vezes, as vítimas aumentam as faltas ao trabalho por vergonha, e têm a produtividade impactada pelos danos sofridos. Como forma de agir em situações de violência doméstica, a desembargadora recomenda que as empresas tenham como principal norte a valorização das pessoas – componentes essenciais para o funcionamento das companhias.
“As empresas são formadas por pessoas. É gente que constrói, que faz o serviço funcionar e o produto ser entregue ao consumidor. Faça gestão com foco em gente. Crie espaço para ouvir, de acolhimento. Se uma empregada começa a faltar, procure ouvir ao invés de punir e substituir de imediato. A empresa deve gerir esse problema ouvindo, acolhendo, tendo espaços de diálogo e educando. Esta é a melhor imagem para uma empresa: investir em vida, focar na gestão de pessoas e não no descarte do trabalhador”, disse Carina Bicalho.
Clique aqui para ouvir o podcast na íntegra.