O juiz do Trabalho Paulo Guilherme Santos Périssé, ex-presidente da AMATRA1, publicou o artigo “Liberdade sindical, como te maltratam!” no portal Jota, nesta segunda-feira (28). No texto, o magistrado abordou a proposta de revogação da Reforma Trabalhista, de 2017, e a retomada da contribuição sindical compulsória, feita por pré-candidato à presidência da República, no início deste ano.
Leia o artigo na íntegra:
Liberdade sindical, como te maltratam!
Soa no mínimo contraditória a proposta ‘progressista’ baseada na retomada da estrutura sindical do varguismo
No início deste ano, os pré-candidatos nas próximas eleições presidenciais começaram a revelar pistas das suas prioridades, num eventual futuro governo. Entretanto, aproveitando as oportunidades que só a democracia pode proporcionar, por vezes os postulantes aos cargos majoritários talvez se exponham além do planejado por seus marqueteiros.
Esse parece ser o caso do líder das pesquisas de opinião ao colocar em pauta a possibilidade de revogação da chamada Reforma Trabalhista aprovada em 2017 e a retomada da contribuição sindical compulsória por parte dos trabalhadores, caso venha a ser vencedor da eleição. Segundo veiculado pela imprensa, a inspiração para tais declarações veio da experiência na Espanha, onde recentemente foi formalizado um pacto firmado por trabalhadores e empregadores, sob a coordenação do governo, que proporcionou a revisão da base legal que organiza as relações de trabalho naquele país.
Aparentemente, a proposta do candidato trata a questão dentro do jogo da competição eleitoral, procurando opor-se a uma agenda considerada conservadora, alinhada ao texto da reforma.
Fato é que esse jogo das estratégias eleitorais camufla as condições estruturais que permitiram a pactuação no cenário espanhol, muito além dos protagonismos das lideranças políticas.
Desde os famosos Pactos de Moncloa, as bases para uma verdadeira negociação no campo das relações de trabalho foram estabelecidas a partir de um princípio básico adotado pelos países mais desenvolvidos – a liberdade sindical.
Esse é o fundamento de qualquer negociação dentro dos setores econômicos, porque serve como farol para a organização autônoma dos trabalhadores e empregadores, procurando evitar a formação de verdadeiros cartéis de representação, nos quais os legítimos interesses dos representados são capturados por sindicalismos de cúpula, organizados em verdadeiras capitanias hereditárias.
No Brasil, vivemos a experiência libertadora das estruturas sindicais com o chamado Fórum Nacional do Trabalho nos anos 2000, pacto que uma vez aprovado implicaria na reforma da legislação trabalhista e sindical, tornando concreto nosso princípio constitucional da liberdade sindical, condição essencial para o sucesso das negociações sindicais, como preconiza a Convenção 87 da OIT de 1948, por sinal, jamais adotada no Brasil.
Aparentemente, a possibilidade de os trabalhadores e empregadores organizarem e gerirem suas próprias representações sindicais, abolindo por completo a vetusta estrutura centrada na representação legal exclusiva e na cobrança de uma contribuição sindical compulsória, não encontra ressonância nas propostas políticas até aqui divulgadas.
Entretanto, se o caminho espanhol é uma escolha política, a subversão do seu sentido e o ocultamento da estrutura legal que permitiu sua existência não apenas frustrará mais uma vez o ideal reformista abandonado há 20 anos, como colocará novamente o sindicalismo brasileiro sob a tutela dos interesses menores de ocasião.
No atual cenário de desarticulação e enfraquecimento das representações sindicais, especialmente dos trabalhadores, soa no mínimo contraditória a proposta “progressista” baseada na retomada de pilares da estrutura sindical herdada do varguismo.
A reformulação das relações de trabalho para enfrentamento da nossa catastrófica dualidade do mercado e a nefasta persistência do achatamento da renda proveniente do trabalho, com a perpetuação dos decantados pilares da estrutura sindical, já nasce sob a marca do passado – mais do mesmo.
Paulo Guilherme Santos Périssé – Juiz do Trabalho do TRT-1, ex-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (AMATRA1), doutor pelo IESP-UERJ e professor da PUC-Rio