Aos 12 anos, a juíza Antônia Faleiros trabalhava nas lavouras de cana-de-açúcar do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais. Vítima do trabalho infantil, sua trajetória foi de muita superação e é a prova de que nada é impossível. Hoje ela é mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas não esqueceu do passado e desenvolve um trabalho social com comunidades carentes. Em 2022, ganhou o Prêmio Maria Felipa, concedido a mulheres negras que se destacam na luta pelos direitos dos negros e contra o racismo.
“A história de vida pode ser linda e inspiradora, mas não nos credencia a nada. O que nos credencia é o que somos no dia a dia. Eu me policio para não ter distanciamento em relação às pessoas e, dentro das minhas possibilidades, estender a mão a quem esteja em uma situação de vulnerabilidade”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo a juíza criminal Antônia Faleiros, que tomou posse no Tribunal de Justiça da Bahia, em 2002. “Eu queria comer. Eu queria ter um sapato.”
Lotada na 1ª Vara Criminal de Lauro Freitas, em Salvador, Antônia é também professora e palestrante, inspirando futuros profissionais. Nascida na zona rural de Serra Azul de Minas (MG), parou de estudar na quarta série porque na escola pública local não existiam as séries seguintes, que foram implantadas no final da década de 1970. Começou então a trabalhar em lavouras de cana-de-açúcar, na região de Curvelo (MG), para contribuir com a renda familiar.
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“Estudar era a única chance”
Após determinada safra, voltou para a cidade, onde foi lavadeira de roupas. Assim que implantaram a quinta série, retornou à escola graças ao incentivo de sua mãe, costureira. “Estudar era a única chance, dizia ela”. Com muito esforço, sua mãe conseguiu pagar os estudos de Antônia num internato religioso em Serro (MG), onde cursou o Magistério no início da década de 80.
Já em Belo Horizonte, sofreu racismo ao procurar emprego. “Na época, eu não conseguia entender o que estavam falando, aí me avisaram para prender o cabelo. Era um marcador social muito forte na questão da negritude”, contou em sua entrevista.
Despejada por uma parente, passou a morar num ponto de ônibus, onde passava as noites em claro estudando, para disfarçar a situação. Foi quando buscou o trabalho de doméstica, que lhe dava abrigo.
Concurso público
Naquela época, Antônia viu um anúncio de concurso público, mas não tinha como comprar o material de estudo. Num cursinho preparatório para concurso, catava no lixo as folhas borradas que eram descartadas pela funcionária da copiadora e, aos poucos, montou sua própria apostila de Direito.
Em 1984, passou no concurso para oficial de justiça do Tribunal de Justiça de Minas. Começou a estudar Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e formou-se em 1991. Advogou, foi delegada, procuradora do INSS e exerceu outras funções até tomar posse como juíza do Tribunal de Justiça da Bahia, em 2002.
A funcionária da copiadora, uma desconhecida, teve papel fundamental nessa história. Antônia desconfia que ela teria percebido seu interesse nas cópias, mas não quis constrangê-la e começou a deixar as folhas borradas num cesto separado do lixo. “Não podemos fazer as pessoas felizes, mas podemos minimizar a infelicidade”, disse Antônia ao site Conjur. Pequenos gestos de solidariedade podem fazer uma enorme diferença na vida de quem precisa.
*Com informações da Folha de S. Paulo e do Conjur
Foto: Arquivo pessoal