Audiência pública do TRT-1 debate contratação de pessoas em situação de rua

Liderada pelo Ouvidor do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região (TRT-1), desembargador Carlos Henrique Chernicharo, a audiência pública sobre contratação de pessoas em situação de rua por empresas vencedoras de licitação reuniu, no edifício-sede do Tribunal, autoridades do Poder Judiciário, servidores, representantes de projetos sociais e padre Lázaro, capelão da Igreja Santa Luzia e do Ministério Público (MPRJ) acompanhado de representantes da população em situação de rua. “Que humanidade é essa que consegue desenvolver inteligência artificial, consegue ir a Marte e não consegue resolver o problema dessa população?”, disse Chernicharo. 

Todos tiveram a oportunidade de se expressar. O presidente da AMATRA1, Ronaldo Callado, foi o primeiro a falar, apresentando algumas controvérsias jurídicas relativas ao tema da audiência. “Ao pretender dispor sobre a possibilidade de contratação de pessoas em situação de rua pelas empresas vencedoras de licitação pública, há evidente ingerência do Legislativo local em matéria de competência própria do Executivo”, afirmou.

Mas segundo Callado, mesmo não havendo uma lei que determine esse tipo de cota, “a função de uma Corte Constitucional, mesmo Estadual, é a de ressaltar e proteger os valores constitucionais estaduais (ainda que por simetria à Constituição Federal), bem como promover ações para transformar o estado de coisas inconstitucional eventualmente existente”.

Para o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ), João Batista Berthier, “produzem muitas regras administrativas, mas a estrutura nunca permite cumprir tudo. O risco é você, com a estrutura que tem, começar a cumprir regras automaticamente, como um burocrata, e não chegar às finalidades”.

Desrespeito e falta documentos

Maria Eunice Barbosa da Silva, servidora do SISEJUFE, levou dados da Prefeitura do Rio, do censo de novembro de 2022. “De acordo com o censo, houve um aumento de 8,5% da população de rua em relação a 2020. A pesquisa de 2022 apontou que existem 7.865 pessoas em situação de rua na capital fluminense”. 

Padre Lázaro concorda. “Há 22 anos vejo aumentar o número da população em situação de rua na marquise do Ministério Público, na marquise da Defensoria, aqui em torno do TRT-1 e ao redor da Igreja Santa Luzia, onde presido a santa missa e muitos deles comparecem, pedindo remédios ou alimentos. É o drama do Rio de Janeiro, que já recebeu o prêmio de cidade inteligente. Pasmem! Como podemos ser uma cidade inteligente se não cuidamos das pessoas?”

Para padre Lázaro, é preciso chamar a atenção da Administração Pública do Rio de Janeiro para essa questão de reintegração à sociedade. “A própria Secretaria de Ordem Pública leva os pertences deles”, afirmou o padre, ressaltando que essa população é frequentemente enxotada de locais públicos e agredida. 

O padre franciscano Lázaro e representantes da população em situação de rua que vivem no Centro do Rio

Já a advogada Maria do Carmo Santos Ferreira de Mello lembrou da necessidade de se ter endereço e documentos para se beneficiar de determinados projetos assistenciais e ressaltou que é preciso oferecer benefícios fiscais, ou algo que o valha, às empresas vencedoras de licitação para que, de fato, contratem pessoas em situação de rua. “A maioria sequer respeita a cota para as pessoas com deficiência”, destacou. 

Reintegração de sucesso

Ex-morador de rua e dependente químico em recuperação, Leo Motta contou sua história, de forma a sensibilizar autoridades e incentivar integrantes da população em situação de rua. 

Em busca de uma oportunidade melhor do que a de catador de lixo, Leo distribuiu 50 cópias de seu currículo. “Fui trabalhar primeiro num restaurante, como lavador de pratos. O gerente me disse: ‘ninguém para nessa vaga’. Mas ele não sabia que eu não estava apenas buscando uma vaga, eu queria uma oportunidade. É preciso acreditar!”

Hoje assessor da Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro, ele é autor de dois livros lançados na Bienal Internacional do Livro, onde também palestrou. “Ali, eu dei o recado de que a exclusão era um projeto falido. A solução para muita coisa está na inclusão. Eu só tenho um endereço hoje para voltar para casa porque a mim foi dada uma oportunidade. Sozinho ninguém consegue vencer”, disse.

Ex-morador de rua, Leo Motta é hoje funcionário da Prefeitura e autor de dois livros lançados na Bienal Internacional do Livro

Discursaram também, entre outros, o servidor do IPEA Carlos Henrique Leite Corseuil, a cozinheira social Claudia Maria da Silva Queiroga, a servidora do TRT-1 Mariana Ribas, o representante do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e da Ordem dos Advogados (OAB) Marcus Vinicius Cordeiro, a ex-moradora de rua Vânia Rosa e a presidente da ONG Nova Chance, Juliana Vicente.

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