A existência do trabalho análogo à escravidão no país reflete e é uma consequência da história do Brasil e da falta de voz das classes trabalhadoras, diante da predominância do discurso das elites nacionais. Essa foi uma das conclusões do debate sobre o filme “Pureza”, do diretor Renato Barbieri, no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal – Teatro Nelson Rodrigues, no seminário “Assédio e Discriminação: o cativeiro contemporâneo”. A roda de conversa com o cineasta e o professor Eduardo Granja Coutinho foi mediada pela presidenta da associação, Daniela Muller, e reuniu magistrados, servidores e público externo.
Para Coutinho, o trabalho escravo se perpetua devido a condições que não foram superadas. Ele cita o latifúndio como um elemento estrutural que permite a exploração dos trabalhadores. “Ao contrário de países como a França, que realizaram sua transição para o capitalismo por meio de revoluções com participação popular, transformação social a partir de baixo, que suprimiu o latifúndio, essas transformações sociais no Brasil se deram sempre pelo alto, por meio de acordos entre as velhas elites e as novas elites, sem participação popular e sem ruptura com o passado”, afirmou.
Eduardo Granja Coutinho aborda as transformações sociais no Brasil
Daniela Muller refletiu sobre o poder do discurso e da linguagem na comunicação e falou sobre a perspectiva incomum empregada pela narradora do filme, que dá voz aos trabalhadores e trabalhadoras, muitas vezes invisibilizados e marginalizados na sociedade.
“Quantas novelas e filmes já vimos em que essa história seria contada talvez pelo dono da fazenda, por um filho rebelde do dono da fazenda que está em crise com o pai? Os grandes narradores também são os trabalhadores e trabalhadoras. E isso talvez seja a nossa grande peculiaridade, marca. Quem conta a primeira história, quem começa os processos em regra, são as pessoas que trabalham nisso”, afirmou Daniela Muller.
Daniela Muller media roda de conversa
“A Justiça do Trabalho tem um papel fundamental: somos os responsáveis por estabelecer a regulamentação que traz uma compreensão dessa dimensão humana dos trabalhadores e trabalhadoras que são submetidos a essa situação”, disse a presidenta, para quem o trabalho muitas vezes se torna uma forma de exploração aviltante, devido à discriminação e ao assédio.
Renato Barbieri defendeu o olhar que valoriza a singularidade de cada indivíduo e a riqueza de suas histórias. “O filme traz para a visibilidade o que está na invisibilidade. Se sairmos agora e encontrarmos uma pessoa preta, na rua, jogada na calçada como um saco de lixo, essa pessoa tem uma história. E é uma história de desastres, que começa lá na diáspora africana, onde as famílias foram desmembradas e sequestradas. E tem um valor, porque toda história tem valor. É uma história de resistência, de sobrevivência”, afirmou.
Renato Baribieri fala sobre invisibilidade e valorização das histórias
Ao mencionar a representação da história das mulheres, dos indígenas e dos afrodescendentes, ele falou como o racismo e o sexismo na sociedade desvalorizam esses grupos. Segundo ele, é preciso descolonizar “mentes e corpos” para questionar as estruturas de poder e as formas de dominação que ainda persistem.
Foto de capa: Daniela Muller com o diretor Renato Barbieri e o professor Eduardo Granja Coutinho.
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