Para presidenta, assédio e discriminação são modos ‘sutis’ de escravidão

A escravidão ultrapassa os limites do cárcere e se desdobra em dispositivos sutis que facilitam sua persistência no Brasil. Com a reflexão da presidenta da AMATRA1, Daniela Muller, e debates sobre as diversas formas de trabalho escravo contemporâneo, o encontro “Assédio e discriminação: o cativeiro contemporâneo” foi encerrado no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) na sexta-feira (10). A Associação participou da organização do evento.

“A escravidão não é só um instituto jurídico e também não é exatamente cárcere. É uma situação que permeia até mesmo a subjetividade. E os mecanismos que acabam reproduzindo e permitindo que ainda se perpetue, sob novas formas, muitas vezes se encontram, exatamente, através do assédio e discriminação que vão naturalizar a superexploração de determinadas pessoas e de determinados grupos”, disse a presidenta. 

A juíza enfatizou que garantir o direito ao trabalho digno no Brasil é uma conquista e um desafio constantes. Ela compôs a mesa de abertura, com o vice-presidente do TRT-1 no exercício regimental, desembargador Roque Lucarelli Dattoli; a desembargadora Márcia Regina Leal, coordenadora do Subcomitê de Equidade Racial do TRT-1; e o desembargador José Luis Campos Xavier, vice-diretor da Escola Judicial do TRT-1 (Ejud1). 

Pronunciamento da desembargadora Márcia Leal na mesa de abertura 

Além da AMATRA1, o evento,  que fez parte da Semana Nacional de Combate ao Assédio e à Discriminação, foi organizado pelos gestores nacionais e regionais do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante e pela Ejud1. A semana de conscientização, anualmente em maio, integrada à agenda dos tribunais de acordo com a Resolução CNJ 450/2022, reúne iniciativas para sensibilizar as equipes sobre a importância do combate ao assédio moral e sexual, assim como à discriminação no ambiente de trabalho.

O encontro começou na quinta-feira (9) com a exibição do filme “Pureza” no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal e uma roda de conversa sobre o tema com o diretor Renato Barbieri. Na sexta, magistrados e professores discutiram aspectos do tema.

Da esquerda para a direita: procuradora do Trabalho Fernanda Diniz, juiz Guilherme Cerqueira, professora Maria Celeste e professor Henrique Rabello

No primeiro ciclo de debates, mediado pelo juiz Guilherme Cerqueira, 1º diretor de Direitos Humanos e Cidadania da AMATRA1, a professora Maria Celeste Simões Marques, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre a escravização doméstica. Para ela, o problema requer uma perspectiva interseccional, considerando não apenas gênero, classe e raça, mas também questões territoriais, culturais e antropológicas. A especialista ressaltou a importância de efetivar políticas públicas e mobilizar os setores da sociedade, aí incluídos o Sistema de Justiça e o Ministério Público, para combater o trabalho escravo contemporâneo.

Em seguida, Henrique Rabello de Carvalho, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), relatou casos em que pessoas transexuais foram ludibriadas por integrantes de grupos online, que prometeram procedimentos de adequação de gênero em troca de trabalho.

Ao chegarem ao local combinado, as pessoas foram forçadas a praticar a  prostituição e submetidas a procedimentos clandestinos e perigosos. Henrique Carvalho mencionou a importância da abordagem não apenas do feminismo negro, mas também do transfeminismo negro.

Ao fim dos debates, a procuradora do Trabalho Fernanda Diniz destacou  as leis de nacionalização do trabalho no Brasil, que permitiram às pessoas negras acesso ao mercado de empregos. Ela questionou a eficácia da Lei Áurea, ao argumentar que as condições de exploração persistiram após a abolição.

Conferência de encerramente com o juiz Felipe Vianna e o ministro do TST Augusto César Leite de Carvalho

A conferência de encerramento, mediada pelo juiz Felipe Vianna Rossi, associado da AMATRA1, foi conduzida pelo ministro Augusto César Leite de Carvalho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Foto: Mesa de abertura / Da esquerda para a direita: desembargadores José Luis Campos Xavier, Roque Lucarelli, Márcia Leal e a presidenta Daniela Muller.

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