Mostra sobre trabalho escravo contemporâneo reúne arte e fotos

A exposição “Trabalho Escravo: Olhares” será aberta, nesta terça-feira (22), no TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região), com 20 ilustrações do professor Ricardo Rezende e 20 registros do fotógrafo João Ripper. As obras, que retratam a dura realidade do trabalho escravo no Brasil, estarão expostas no Centro Cultural do Tribunal (térreo do prédio-sede) até a terça-feira da próxima semana (29). 

A mostra integra a programação da semana de atividades  voltadas ao debate do tema, a 17ª Reunião Científica Trabalho Escravo e Questões Correlatas. A presidenta da AMATRA1, juíza Daniela Muller, falou sobre a relevância dos trabalhos expostos.

“É muito importante o Tribunal abrir espaço para esse tipo de representação artística, porque traz elementos que normalmente não estão no nosso dia-a-dia. Os processos são muito mais frios. Já as imagens e os desenhos tocam a emoção da gente”, disse.

Para a presidenta, as imagens e ilustrações mostram uma visão sensível da dura realidade das pessoas afetadas por essa grave violação aos direitos humanos. Ela mencionou a fotografia que capta um gesto amoroso em meio à dureza da vida em carvoarias. A cena lhe passa a ideia de esperança e resiliência diante das adversidades.

Daniela Muller e Ricardo Rezende observam fotografia do gesto de amor na carvoariam, de autoria de João Ripper

Com obras em bico de pena, acrílica e fotografias, a exposição dialoga com questões sociais e políticas relacionadas ao trabalho escravo contemporâneo. Entre as ilustrações, quatro estão emolduradas e pintadas em tela. As fotos retratam o cotidiano dos trabalhadores.

A exposição marca o reencontro entre Ricardo Rezende e João Ripper, que compartilham uma trajetória de ao menos 40 anos de estudo e denúncia do trabalho escravo. 

Artista e professor

Ricardo Rezende Figueira é sacerdote. Trabalhou 20 anos na Diocese de Conceição do Araguaia (Pará), onde integrou membro da Comissão Pastoral da Terra. É doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com ênfase em Antropologia, onde atua como membro do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo. 

Ele é, também, professor associado do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, membro da coordenação do movimento Humanos Direitos e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

Professor Ricardo Rezende diante da exposição artística

Pela militância em defesa dos direitos humanos, recebeu  premiações nacionais e internacionais, como a Medalha Chico Mendes de Resistência (1992), o 4º Prêmio USP de Direitos Humanos (2002), o Prêmio Anti-Slavery International (1992) e o Human Rights Watch (1994).

Entre seus muitos trabalhos, publicou “A justiça do lobo: posseiros e padres no Araguaia” (Vozes, 1986) e “Rio Maria: Canto da Terra” (Vozes, 1993). Em 2005, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria Ciências Humanas, pelo livro “Pisando fora da própria sombra”.

Fotógrafo 

João Roberto Ripper Barbosa Cordeiro, carioca de 1953, é fotógrafo e fotojornalista autodidata. Iniciou a carreira no jornal “Luta Democrática” e trabalhou em “Última Hora” e “O Globo”. 

Em 1985, fundou a sucursal do Rio da agência F4 com os colegas Ricardo Azoury e Rogério Reis. Ripper se destacou na defesa dos direitos dos fotógrafos e na melhoria de suas condições de trabalho, atuando na Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro, onde foi vice-presidente em 1981, e no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, que presidiu em 1983. 

No início dos anos 90, fundou a Imagens da Terra, organização sem fins lucrativos dedicada à fotografia documental de cunho social. Sua contribuição foi tão significativa que, em 1988, a Anistia Internacional utilizou amplamente suas fotografias em relatório sobre a violência no campo no Brasil.

A seguir, entrevista com Ricardo Rezende

AMATRA1: Qual sua relação com o trabalho escravo?

Ricardo Rezende: Há mais de 40 anos, em 1977, fui morar no sul do Pará. Lá me deparei com um fenômeno que não tinha um nome. A gente começou chamando de trabalho escravo o que encontrávamos, que era o trabalho obrigatório sob o pretexto de dívida. E envolvia os maiores conglomerados de capital financeiro e industrial. O governo liberava recursos para a implantação desses empreendimentos agropecuários.

Hoje se chama agronegócio, na época era agropecuário. Esses empreendimentos, em geral, tinham dois tipos de trabalhadores. Tinha um tipo de trabalhador que era permanente, que cumpria mais ou menos a legislação trabalhista, e outros que não cumpriam nada. Então, as pessoas, às vezes, para sair do trabalho tinham que fugir, tinham que escapar. Muitos eram capturados, diversos eram mortos, outros espancados e voltados para o trabalho. Então, o primeiro contato meu foi com o militante de direitos humanos, tentando auxiliar esses trabalhadores a escaparem da região.

Naquele período, não contávamos com o poder público, não contávamos com a polícia, não contávamos com o Ministério Público nem com o Judiciário. Em geral, não tinha uma política pública. A situação só mudou em 1995. Cheguei lá em 1977. Em 1995, o governo, o presidente da República (Fernando Henrique Cardoso) reconhece o trabalho escravo. São constituídos os grupos especiais de discrição móvel, ligados diretamente ao ministro do Trabalho. Desse trabalho, acabaram entrando os procuradores, a Polícia Federal.

Então, a gente tem uma mudança. Eu, a partir de 1997, mudo meu lugar social. Estava no sul do Pará, denunciando, acompanhando, ajudando os trabalhadores, com o grupo, com a equipe da Comissão Pessoal da Terra. Mas, em 1997, venho para o Rio e continuo o tema, mas academicamente. Faço mestrado, doutorado sobre o tema. Criei o Grupo de Pesquisa de Trabalho Escravo Contemporâneo, que funciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

AMATRA1: Como se formou sua parceria com o fotógrafo João Ripper?

Ricardo Rezende: Em exposição, é a primeira vez. Nunca expusemos juntos. Mas a gente tem uma amizade de longo prazo. Diversos livros nossos têm fotos dele. Tanto livros que escrevi, como livros que organizei, que o GPTEC organizou. Temos talvez uns 20 livros. A maioria tem fotos do Ripper. Ele, graciosamente, nos cedeu as fotos.

Ricardo Rezende 

AMATRA1: Qual a mensagem o sr. pretende passar com as suas ilustrações?

Ricardo Rezende: Tenho muito mais tempo para o desenho do que para a pintura. Para a pintura, você tem que ter uma infraestrutura, tem que ter mais tempo. Você tem que ter algo que demanda mais tempo. A última exposição que fiz foi aqui no Rio, só de pintura. Não tinha nenhum bico de pena. Era só pintura em tela. Fiz uma exposição com pintura em tela, mas gosto muito do desenho, do bico de pena. Acho que o desenho é até o melhor do que pinto. Desenho há muitos anos. Muitas vezes não tenho tempo para pintar. Você tem a tinta e o material e tem que ter uma dedicação maior. 

AMATRA1: Quando iniciou a sua relação com a arte?

Ricardo Rezende: A dimensão do social está presente nos meus trabalhos. Desde criança. Então, tenho muitos trabalhos que dialogam com a situação concreta dos pobres. Tenho uma empatia pelos pobres, e isso reflete na minha produção. Muito mais do que o trabalho escravo, fiz o conflito fundiário. Porque estava em uma região não só que tinha trabalho escravo, mas também muito conflito pelo uso e posse da terra. Havia muitos assassinatos e muitos amigos morriam. Se você observar, minha produção nos últimos 50 e poucos anos é figurativa. Não é abstrata, não faço trabalho abstrato. Em geral, abordando a dimensão da dor, do sofrimento, a luta dos trabalhadores. Mas, também, tenho um cunho religioso, muita pintura com cunho religioso. 

 

17ª Reunião Científica GPTEC

A exposição está vinculada à 17ª Reunião Científica Trabalho Escravo e Questões Correlatas, que vai desta quarta (23) até sexta-feira (25). O encontro reunirá especialistas de áreas como Direito, Sociologia e Geografia, com foco no estudo do trabalho escravo. 

O encontro resulta da parceria da AMATRA1 com o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo da UFRJ e o TRT-1. As inscrições estão abertas no site oficial.

Pesquisadores de cerca de 30 universidades estarão presentes. A maior parte dos trabalhos apresentados foram elaborados por operadores do Direito, como auditores fiscais e juízes.

Foto de capa: Daniela Muller e Ricardo Rezende ao lado da ilustração.

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