Desde que se aposentou em 2019, a juíza do Trabalho Raquel Braga passou a se dedicar integralmente à luta pelos direitos sociais através de uma intensa participação em fóruns e associações jurídicas. Atualmente, ela integra o Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes, que luta contra retrocessos sociais. Em dezembro de 2024, a magistrada representou a Associação Juízes para a Democracia (AJD) em audiência pública no STF em que defendeu a importância de os trabalhadores de plataformas digitais terem vínculos empregatícios, ou seja, se posicionando contra a “uberização” do mercado de trabalho.
“Como tenho maior liberdade política na condição de aposentada, sinto-me comprometida com o engajamento contra os retrocessos sociais”, resume Raquel, que também participa da Rede Nacional Lawfare Nunca Mais, que visa proteger as vítimas deste tipo de crime.
A trajetória da magistrada teve início em 1994, quando passou em primeiro lugar no concurso para a magistratura no Espírito Santo. Durante sua carreira como juíza do Trabalho, foi ativa na AMATRA1 e assumiu a Diretoria de Comunicação, na gestão de Luciana Neves (2008-2009), e a Diretoria de Direitos Humanos, na presidência de André Villela (2010-2011).
A seguir, entrevista com Raquel Braga
AMATRA1: Como foi o início da sua nova fase profissional após tantos anos dedicados à magistratura?
Raquel Braga: Aposentei-me em 2019 e, em 2020, concluí o curso de pós-graduação em Direitos Humanos, Desenvolvimento e Interculturalidade, na Universidade Pablo de Olavide, Sevilla, na Espanha. Em 2023, ao retornar, fiz um mestrado sobre o mesmo tema na Universidade, destacando a injuridicidade da Reforma Trabalhista.
AMATRA1: Como tem sido sua atuação na defesa do Direito do Trabalho?
Raquel Braga: Atuei no Conselho da Associação Juízes para a Democracia de 2020 a 2022. Independentemente de compor o conselho ou não, a militância de associada, entre outros temas, prioriza o direito do trabalho. Também sou filiada ao MATI (Movimento dos Advogados Trabalhistas) e me dedico à temática do Lawfare, inclusive faço parte da Rede Nacional Lawfare Nunca Mais. Outra frente de atuação é na ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).
O trabalho hoje consiste em reuniões estaduais e nacionais, geralmente em Brasília, bem como na formulação e participação em seminários e atos públicos, em vídeos para as redes sociais e em entrevistas. Também mantenho encontros com integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e atuo na elaboração de textos, organização de livros, palestras e eventos em geral. Em 2022, integrei a Comissão Organizadora do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre e, em dezembro de 2024, fiz a defesa, pela AJD, da relação de emprego dentro das plataformas digitais (Uber, iFood etc), na Audiência Pública convocada pelo STF – Supremo Tribunal Federal.
AMATRA1: Como a experiência na magistratura influencia sua vivência nos projetos atuais?
Raquel Braga: A experiência como magistrada, além da visão doutrinária, me permite uma análise mais próxima do quanto o judiciário reflete o pensamento oligárquico e reproduz o autoritarismo brasileiro. Isso se reflete, muitas vezes, em posturas condicionadas que fogem, inclusive, à positividade jurídica. Os exemplos estão nas violações constitucionais da Reforma Trabalhista, naturalizada pela Justiça do Trabalho, embora algumas exceções ratifiquem as lutas travadas até aqui. Por longo período, houve a aceitação das ações da Lava Jato, o maior escândalo judicial do mundo, que culminou com a prisão do Presidente Lula e o seu afastamento das eleições de 2018.
AMATRA1: A senhora planeja continuar com projetos relacionados à Justiça do Trabalho ou pretende explorar novas áreas de atuação?
Raquel Braga: Como tenho maior liberdade política na condição de aposentada, sinto-me comprometida com o engajamento contra os retrocessos sociais, academicamente e politicamente. Sobretudo na área trabalhista, pois aqui se trava uma luta de classes, com evidentes perdas para os trabalhadores e ataques à relação de emprego. Por fim, há um projeto futuro de lançar um livro já que tenho textos sendo publicados de forma esparsa.
AMATRA1: Qual mensagem a senhora deixaria para os juízes em início de carreira?
Raquel Braga: Aos juízes em início de carreira, apelo que não se afastem dos princípios que instruem a matéria Direito do Trabalho; tenham em mente que o objeto de estudo da Disciplina é a relação de emprego; e defendam a competência da nossa Justiça Especializada, sem a qual não há razão para a sua existência. Por último, atentem-se para as políticas salariais legítimas, a teleologia do ATS – Adicional por Tempo de serviço —, parcela que faz justiça ao profissional experiente. A vida não é somente o instante, mas um somatório de fatos que nos permite ter dignidade ao longo da existência. Advirto que rubricas extravagantes desmerecem a linda profissão da magistratura. No mais, é luta por emprego e dignidade para todos que, em tempos de fascismo à espreita, no Brasil e no mundo, exige a nossa defesa.
Foto de capa: Frame de Raquel Braga na Audiência Pública – Relação de emprego Uber/Rádio e TV Justiça.
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