A 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro reconheceu o vínculo empregatício de uma mulher submetida a trabalho análogo à escravidão por mais de sete décadas. A decisão do juiz Leonardo Campos Mutti, associado da AMATRA1, condenou os empregadores ao pagamento de R$ 600 mil por danos morais individuais, além de todas as verbas trabalhistas acumuladas entre janeiro de 1967 e maio de 2022.
Conforme destacado na decisão, diversos fatores levaram ao reconhecimento do vínculo empregatício e da condição de trabalho análoga à escravidão. O magistrado afirmou que ao longo de mais de 70 anos, ficou comprovado, por meio de depoimentos e documentos anexados ao processo, que a vítima, Maria Moura, trabalhou sem qualquer direito trabalhista e sem autonomia sobre sua própria vida.
“O que é mais grave é que ela não possuía liberdade sequer para fazer suas próprias escolhas, pois sua condição lhe impedia até mesmo de ter plena consciência de que era vítima de exploração”, pontuou.
A vítima foi resgatada em 2022, durante uma diligência realizada pelo Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) em conjunto com a Superintendência Regional do Trabalho e o Projeto Ação Integrada. Segundo a investigação, a trabalhadora começou a prestar serviços domésticos aos 12 anos, sem receber salário ou qualquer direito trabalhista. Durante o período, três gerações da mesma família se beneficiaram da exploração.
O juiz destacou a importância do Judiciário na repressão ao trabalho escravo e enfatizou o papel das instituições na reparação dos danos sofridos.
Segundo ele, “na esfera trabalhista, destacam-se as decisões judiciais que reconhecem o vínculo de emprego e determinam o pagamento de todas as parcelas trabalhistas referentes ao período de exploração. Além disso, são fixadas indenizações por danos morais individuais e coletivos, em valores expressivos, garantindo não apenas a reparação, mas também o efeito pedagógico da condenação”.
A sentença apontou que a idosa viveu sem liberdade de locomoção e teve seus documentos retidos pelos empregadores, que também realizavam os saques da sua aposentadoria. Testemunhas confirmaram que ela dormia em um sofá dentro da residência e era privada de direitos básicos, como estudo e lazer.
Além do reconhecimento do vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho determinou o pagamento de R$ 300 mil por danos morais coletivos. Os empregadores deverão registrar a relação trabalhista na Carteira de Trabalho da vítima e quitar os valores referentes a salários, férias, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O caso também será encaminhado a órgãos como o INSS e a Justiça Federal para adoção de eventuais medidas administrativas e penais.
O MPT-RJ classificou a situação como o mais longo caso de escravidão contemporânea registrado no Brasil desde 1995, quando o monitoramento desse tipo de violação teve início. O caso de Maria Moura reflete um problema estrutural no país.
“O trabalho escravo doméstico é uma consequência de desigualdades históricas, especialmente relacionadas à herança do período escravocrata. Os principais desafios a serem enfrentados estão relacionados à necessidade de intensificação na fiscalização, com punição exemplar para os infratores, aprimoramento da legislação, mudança cultural e medidas que garantam a reinserção da vítima na sociedade de forma a reconstruir a sua vida”, concluiu Leonardo Campos.
Com informações do portal Migalhas – Foto de capa: Imagem ilustrativa/Freepik.
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