O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 18 trabalhadores indígenas submetidos a condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A operação de auditores-fiscais do Trabalho identificou irregularidades na contratação e no alojamento do grupo, que havia sido recrutado por uma empresa terceirizada para atuar na safra da uva. A ação teve o apoio da Secretaria de Assistência Social, da Guarda Municipal e da Polícia Rodoviária Federal.
Os trabalhadores, originários da reserva indígena Kaingang, que tem núcleos em vários estados do Brasil, como Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, chegaram à cidade em 7 de janeiro de 2025 sob promessa de emprego formal, remuneração diária de R$ 150, moradia e alimentação.
Apesar da realização de exames médicos admissionais, os contratos nunca foram formalizados. O pagamento das diárias ocorreu somente a partir do dia 20, deixando os trabalhadores sem renda por quase duas semanas. Além disso, o grupo permaneceu longos períodos sem trabalho devido ao excesso de mão de obra recrutada pela empresa prestadora de serviços.
No dia 5 de fevereiro, dez trabalhadores procuraram a Secretaria de Assistência Social de Bento Gonçalves após serem dispensados sem pagamento e despejados do alojamento. A fiscalização identificou outras oito pessoas no local, incluindo um bebê e uma criança de cinco anos. Alojados em um galpão de madeira pertencente a uma associação, os trabalhadores dormiam em colchões improvisados no chão, sem estrutura adequada de higiene e segurança. Diante das irregularidades, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Econômico interditou o espaço.
A inspeção constatou ainda que itens básicos, como papel higiênico, eram vendidos no alojamento por valores acima do mercado. Além disso, um dos produtores rurais que contrataram os trabalhadores afirmou ter sido pressionado pela empresa intermediária a antecipar a colheita da uva antes do período ideal, resultando em prejuízo. Segundo ele, os pagamentos acordados com a prestadora de serviços estavam em dia, e a irregularidade só foi descoberta após a dispensa do grupo.
Os trabalhadores começaram a retornar às suas cidades na noite de 6 de fevereiro, com parte dos valores pagos pelos contratantes. A empresa terceirizada foi notificada a quitar todas as verbas devidas e arcar com as passagens. O MTE concederá aos resgatados o Seguro-Desemprego Especial, com três parcelas de um salário-mínimo.
Esse foi o terceiro caso de resgate na colheita da uva em 2025. No final de janeiro, quatro trabalhadores argentinos foram retirados de situação semelhante em São Marcos, enquanto no início de fevereiro outros nove foram encontrados em condições degradantes em Flores da Cunha.
Servidão por dívida é a principal forma de trabalho análogo à escravidão, afirma Daniela Muller
Em entrevista recente ao Jornal da CBN, a juíza Daniela Muller, presidente da AMATRA1, destacou que a servidão por dívida é a forma mais recorrente dessa prática no Brasil. Nessa modalidade, trabalhadores contraem dívidas para se deslocar em busca de emprego e acabam presos em condições subumanas, sem acesso a direitos básicos. Segundo a magistrada, o problema afeta tanto áreas rurais quanto urbanas, com aliciamento de trabalhadores para regiões remotas e falsas promessas de melhoria de vida.
Daniela Muller ressaltou que as principais vítimas são pessoas negras, indígenas e imigrantes, muitas vezes submetidas a jornadas exaustivas e ambientes insalubres. A juíza mencionou casos recentes envolvendo bolivianos na indústria têxtil de São Paulo e chineses no comércio no Rio de Janeiro e na Bahia. Para combater essa realidade, ela destacou a importância da denúncia, que pode ser feita junto à Polícia Federal, ao Ministério Público do Trabalho e à Justiça do Trabalho.
O MTE mantém um canal de denúncias anônimas pelo Sistema Ipê, e as estatísticas das fiscalizações estão disponíveis no Painel de Informações da Inspeção do Trabalho.
Com informações do e foto do MTE.
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