26 de fevereiro de 2021 . 16:27

‘É importante avançar na maturidade do sistema de precedentes’, diz ministro

A relação da Justiça do Trabalho com o sistema de precedentes do novo Código de Processo Civil (CPC) foi o tema central do webinar internacional organizado pela AMATRA1 e pela Caarj (Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro). Transmitido pelo canal da Caarj no YouTube, nesta quinta (25) e sexta-feira (26), o evento contou com apresentações do ministro Cláudio Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do desembargador do TRT-1 Jorge Ramos, do juiz do TRT-4 (RS) Cesar Zucatti Pritsch, do procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro Cássio Casagrande, e da advogada portuguesa Maria Ana Azevedo.

Na mesa de abertura, o presidente da AMATRA1, Flávio Alves Pereira, exaltou a parceria entre as instituições, que uniram forças para trazer conhecimento através das explanações de grandes nomes do judiciário brasileiro sobre um assunto ainda pouco explorado. “O tema dos precedentes ainda está em uma fase de aprendizado. Vejo que esse evento ajuda bastante a todos nós”, disse.

Presidente da AMATRA1, juiz Flávio Alves exaltou parceria com a Caarj na organização do webinar

Também participaram da mesa de abertura a presidente do TRT-1, Edith Maria Corrêa Tourinho; o procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (PRT-1), João Batista Berthier; a presidente da Anamatra, Noemia Porto; e a advogada Andréa Cabo, coordenadora dos projetos CAARJ 4.0 e aperfeiçoando a Advocacia da CAARJ. A apresentação foi feita pela advogada Camila Rodrigues e a mediação, pelos advogados Paulo Renato, Alexandre Martins, Fábio Pereira, Érika Machado, além de Andréa Cabo.

O ministro do TST Cláudio Brandão falou sobre o tema “A lei 13.467/2017 e as súmulas do TST”. Em sua apresentação, ele relembrou que o artigo 702 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi alterado pela lei 13.467, chamada de Reforma Trabalhista, no contexto das mudanças que objetivavam, teoricamente, estabelecer segurança jurídica. O dispositivo versa sobre a forma de revisão de súmulas e outros enunciados pelo tribunal. Entre outras alterações, foi incluída a alínea “f” do inciso I, que estabelece quórum mínimo de 2/3 para criar ou alterar a jurisprudência consolidada. 

“Digo que essa foi uma das piores mudanças que essa lei estabeleceu, ao lado da revogação dos artigos §§ 3º a 6º do art. 896 da CLT. Isto sim tem causado uma insegurança jurídica absurda”, afirmou. De acordo com o ministro, com a revogação dos parágrafos mencionados, “os tribunais passaram a ter uma balbúrdia jurisprudencial”.

Ministro do TST Cláudio Brandão participou do webinar sobre o sistema de precedentes do novo CPC

Brandão afirmou que as mais de 200 alterações geradas pela lei 13.467 atingiram diversas súmulas, que são construções a partir de reiteração de julgamentos que os tribunais adotam ao longo de sua história, editadas no decorrer dos anos. “Para mim, é muito mais importante avançar na maturidade do sistema de precedentes do que discutir se o artigo 702 da CLT é constitucional ou não. Porque, se for tido como constitucional, vai fazer com que o tribunal praticamente não mais edite súmula.”

O desembargador Jorge Ramos, doutor em Direito e membro da Comissão de Jurisprudência e Precedentes do TRT-1, abordou os Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas no âmbito da 1ª Região. Sobre os IRDRs e as IACs (Incidências de Assunção de Competência) no regimento interno do TRT-1, Ramos explicou que se encontram estabelecidos nos artigos 119 e 119-A, que identificam os fundamentos legais e doutrinários para a aplicação do novo sistema no Direito brasileiro em primeiro e segundo graus de jurisdição e seu impacto na uniformização da jurisprudência.

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“Apenas 17 IRDRs foram instaurados no TST, enquanto que no STF e no STJ já foram cadastrados mais de mil temas de repercussão geral em cada tribunal. Vejam a timidez do TST no uso dessas ferramentas. O TRT-1 tem a formação de 20 IRDRs e apenas dois julgamentos de mérito, que originaram Teses Jurídicas Prevalecentes. Observa-se que o TRT-1 e o TST não têm sido efetivos na utilização destes instrumentos”, pontuou.

O desembargador Jorge Ramos falou sobre IRDR’s no TRT-1, no webinar

Para Jorge Ramos, “os precedentes por meio de IRDRs e IACs podem e devem ter maior aplicação no Judiciário do Trabalho, visando o princípio constitucional da razoável duração do processo, a qualidade da tutela jurisdicional e a uniformização da jurisprudência, eliminando as decisões contraditórias que conduzem a um tratamento desigual aos jurisdicionados que estão em idêntica situação jurídica”.

Precedentes e o STF

O juiz do Trabalho Cesar Zucatti Pritsch, do TRT-4 (RS), se apresentou sobre o tópico “Os Precedentes do STF e a suspensão das lides idênticas”. Zucatti destacou ser fundamental entender a posição do Supremo Tribunal Federal no sistema de precedentes, já que a corte prolata os precedentes mais importantes. 

O juiz Cesar Zucatti, do TRT-4 (RS), abordou os precedentes do STF

“Temos que compreender a posição do STF, podemos criticá-la e também pensar em melhorias para o sistema, porque ainda estamos no início e nosso sistema ainda tem muitos problemas, ainda não se adaptou. A cultura ainda não mudou”, disse.

Segundo o juiz, os precedentes “são uma faca de dois gumes”. Ele ressaltou que, ao mesmo tempo em que não se pode deixar que todos julguem de forma diversa sem que exista uma palavra final sobre determinado entendimento, cai-se em outro viés sensível, de risco de concentração de poder. “Precisamos pensar em como melhorar o processo constitucional, como melhorar o processo civil e do trabalho, pensar regimentalmente como melhorar nos TRTs os processos de uniformização de jurisprudência”, indicou Zucatti.

Visão internacional

O procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) Cássio Casagrande tratou do modelo norte-americano de precedentes. A convergência entre a civil law, usada no Brasil, e a common law foi um dos apontamentos do procurador, que destacou como consequência a presença de cada vez mais força vinculante aos precedentes.

“É preciso observar que essa convergência é apenas um processo de americanização do Direito. Quando falamos de uma influência da common law, em geral, estamos falando da influência do Direito dos Estados Unidos. Deve ser observado que o sistema de precedentes dos Estados Unidos é bastante singular, dada a presença do federalismo e do controle difuso de constitucionalidade”, explicou.

Casagrande contribuiu com a visão internacional dos precedentes ao falar do cenário dos EUA

Casagrande também falou sobre como os precedentes evoluem no direito americano, abordando os conceitos “distinguishing” e “overruling”, e sinalizou uma dificuldade na importação do modelo americano de precedentes: a cultura jurídica. 

Civil law e common law são tradições que precisam ser entendidas como expressões culturais. Transportar cultura de um país a outro gera incompreensões, desentendimentos e tensões. Percebo que o tema do efeito vinculante das decisões tem suscitado muita controvérsia no Brasil. Parece-me que a maior dificuldade de importação do modelo americano de precedentes é o fato de que certos pressupostos desse sistema não são facilmente exportáveis, e aqui me refiro ao fato de que há certa rejeição natural nos países de civil law a admitir que tribunais superiores apreciem fatos e provas, o que é diferente nos Estados Unidos”, afirmou.

Outra visão internacional sobre o tema foi apresentada por Maria Ana Azevedo. A advogada falou sobre o modelo de precedentes em Portugal, adotado no Código de Processo Civil português, destacando que a uniformização de jurisprudência em Portugal iniciou-se antes da era constitucional, através da emissão de assentos pela casa da suplicação, que correspondiam a leis interpretativas.

O modelo de precedentes em Portugal foi apresentado pela advogada Maria Ana Azevedo

“Em Portugal, os acórdãos de uniformização jurisprudencial são emanados do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, quer pela via do julgamento ampliado de revista, quer pela via do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei obtenham respostas diferentes dos tribunais”, disse.

Segundo Maria Ana, o julgamento ampliado pode ser conveniente para evitar uma indesejada diversidade interpretativa. “Por exemplo, quando já existe um conflito jurisprudencial, quer ao nível das relações, quer ao nível do supremo tribunal de justiça, sem evidente prevalência de qualquer tese. Portanto, existe uma função de resolução do conflito jurisprudencial.”

Veja o primeiro dia de debates do webinar



Veja o segundo dia de debates do webinar
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