29 de outubro de 2020 . 14:25

Filme do MPT mostra condições precárias no trabalho de produtores de fumo

Falta de equipamentos de proteção, doenças em decorrência do trabalho, jornadas de 16 horas por dia e a presença de crianças e adolescentes na cadeia de produção das lavouras de tabaco da região Sul do Brasil foram abordadas no documentário “Vidas Tragadas”, lançado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) nesta terça-feira (27). Maior investigação já feita sobre a atividade no país, o diagnóstico foi encomendado pelo MPT e realizado pela Papel Social, uma organização que pesquisa cadeias produtivas.

A obra mostra relatos de especialistas e de trabalhadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, evidenciando a violação dos direitos humanos, a exploração econômica por parte das empresas e as dívidas por parte dos pequenos agricultores. A região Sul é responsável por 95% da produção nacional de fumo.

“A empresa tem o domínio da gente. É preciso a carta de alforria para poder caminhar, senão, tu é um escravo”, disse um fumicultor, que aparece no vídeo aplicando agrotóxico nas plantações.

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O engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro afirmou que o trabalhador das lavouras é um assalariado rural “e não um camponês que produz alimentos na agricultura, na sua terra, como empreendedor, com autonomia total”. “Ele está na dependência: o crédito é em nome da empresa, o seguro é em benefício da empresa e ele fica à mercê de todas essas pessoas.”

As consequências da falta de equipamentos de proteção individual para a execução do trabalho são evidenciadas no documentário. Além da contaminação química causada pelo contato com os venenos, o manuseio do próprio tabaco causa a “doença da folha verde do tabaco”, devido à grande absorção de nicotina pela pele. Os agricultores apresentam sintomas comuns, como náuseas, dores de cabeça, dores abdominais, desmaios e convulsões. 

“Desde pequena, sempre tive esse problema, parece que já está no sangue. Essa semana mesmo, eu passei mal de novo. A gente coloca a capa, a vestimenta, mas não adianta. Só o cheiro daquele fumo verde que a gente trouxe da lavoura já me dá náusea, ânsia de vômito, dor no fígado e no estômago, tontura. Acabo ficando só deitada porque não consigo nem levantar a cabeça, de tão tonta. Acho que em cada casa que planta fumo tem uma ou duas pessoas que fica doente”, contou uma fumicultora.

Os índices de câncer, depressão e suicídio na região também são relacionados à contaminação por pesticidas na produção. O filme lembra que, em 2017, o Ministério da Saúde associou os casos de suicídio ao cultivo de fumo e ao uso de agrotóxicos. Os dados registram até 78 casos de suicídio a cada 100 mil habitantes, sendo  média nacional de cerca de 6 casos a cada 100 mil pessoas.

Trabalho infantil na plantação de fumo

Nas imagens, crianças e adolescentes aparecem em meio às plantações. O trabalho infantil, associado à falta de proteção na plantação, também prejudica o desenvolvimento desta parcela da população. A produção do tabaco está na lista das piores formas de trabalho infantil (TIP), e é proibida para menores de 18 anos, no Brasil.

Segundo Sebastião, “desde 1980, é sabido que as crianças que sofrem a aplicação de pequenas quantidades de veneno ou comem resíduo de veneno têm a cognição inibida. Nos adultos, isso provoca uma depressão que é um desencadeador de problemas mais graves, como os índices de suicídio na região”.

A professora Marcia Fusinato afirmou que, mesmo que de forma discreta, o trabalho das crianças e dos adolescentes é presente em todas as etapas de produção: desde o preparo da terra até a entrega do fumo. A também professora Silvone Ernst falou sobre as ocorrências médicas com os alunos que trabalhavam nas lavouras. 

“Percebemos que, principalmente os alunos do período noturno, chegavam muito cansados, com náuseas, vômitos, dores de cabeça. Muitas vezes tínhamos que levá-los para o hospital para tomar algum medicamento para que pudessem voltar para escola ou voltar com segurança para casa. Mas, na outra semana, voltavam com os mesmos sintomas. Era a privação de sono, o cansaço físico e a questão do agrotóxico no corpo. Não tem como aprender dessa forma.”

Veja o documentário na íntegra:

*Foto: Reprodução MPT < VOLTAR