13 de maio de 2022 . 14:33

Juiz concede indenização de R$ 500 mil à idosa escravizada por 38 anos no Rio

Nesta sexta-feira (13), a assinatura da Lei Áurea, que tinha como objetivo abolir o sistema de escravidão no Brasil, completa 134 anos. No entanto, mesmo após quase um século e meio, casos de trabalho em condições análogas às de escravizados ainda são comuns no país, tanto no meio rural quanto no urbano. Recentemente, o juiz do Trabalho Nikolai Nowosh condenou uma mulher que explorou uma trabalhadora doméstica por 38 anos, na capital do Rio de Janeiro. O magistrado fixou a indenização por dano moral individual em R$ 500 mil, além de determinar o pagamento de verbas trabalhistas equivalentes. 

Nowosh afirma que a decisão converge com o anseio da população para que qualquer tipo de exploração do trabalho humano de forma análoga à escravidão seja coibido e expurgado da sociedade.

“Trata-se de uma resposta da Justiça do Trabalho a uma provocação do Ministério Público do Trabalho, demonstrando e denotando a importância destes dois entes no combate ao trabalho em condições análogas à escravidão. Há, ainda, uma tentativa de amenizar os efeitos deletérios da exploração ocorrida para a ofendida, mesmo sabendo que se tratam de efeitos permanentes, não tendo a vida dela como retroceder no tempo”, destaca o juiz.

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Com 63 anos à época, a idosa foi encontrada em 25 de janeiro de 2021, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a partir de uma denúncia ao “Disque 100”. O resgate ocorreu durante uma força tarefa nacional do Grupo Móvel de Combate e Erradicação do Trabalho Escravo, composto pelo MPT, pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e outros órgãos.

Com sinais de desnutrição, a trabalhadora contou que não consumia alimentos e água potável livremente. Ela dormia em um quarto sem energia elétrica, com poucos pertences, em uma caixa de papelão, e, segundo relatos dos vizinhos, sofria violências e executava trabalhos exaustivos sob o sol. 

A investigação do MPT-RJ concluiu que a mulher era forçada a catar latas nas ruas para vender e entregar o dinheiro à patroa. Em todo o período de serviços prestados, a trabalhadora tirou férias apenas no primeiro ano, e os salários deixaram de ser pagos no fim da década de 1980 – ela recebia apenas “um dinheirinho” para comprar biscoitos e doces. Além disso, os valores do auxílio-emergencial foram sacados pela empregadora, que é professora em uma universidade federal no Rio de Janeiro.

Após o resgate, a idosa ficou hospedada em um hotel, com custeio do Projeto Ação Integrada, desenvolvido pelo MPT-RJ. Depois, foi transferida para um Centro de Acolhimento municipal. 

Na Ação Civil Pública (ACP), o MPT-RJ pediu o pagamento de indenização por danos morais individuais e por danos morais coletivos, de verbas rescisórias e de pensão mensal até o julgamento definitivo, assim como a restituição da quantia usada pelo Projeto Ação Integrada no acolhimento da vítima e outras demandas.

Ao analisar o caso, Nikolai Nowosh considerou a relação empregatícia entre 1ª de janeiro de 1983 e 25 de abril de 2021, com remuneração equivalente ao salário mínimo. Além da indenização de R$ 500 mil, o juiz estabeleceu o pagamento de férias relativas a todo o tempo de trabalho; de salários vencidos; das gratificações natalinas de 1983 até 2020; das parcelas rescisórias por 90 dias de aviso prévio indenizado; do saldo de 25 dias de salário de janeiro de 2021; de 4/12 da gratificação natalina de 2021; e de férias, acrescidas do terço constitucional, mais 4/12 de férias proporcionais, pelo período concessivo em curso à época da extinção contratual. 

Também foram determinados, na decisão, o recolhimento integral dos depósitos fundiários relativos ao contrato de trabalho; o pagamento da indenização de 40% e do valor de R$ 3.513,09, para cobrir as despesas do Projeto Ação Integrada; e a ratificação de decisões anteriores, que obrigavam a manutenção da retenção de 15% dos salários recebidos pela ré no exercício da função de professora e restituição de documentos da vítima, como a CTPS e a carteira de vacinação.

Como indenização por danos morais coletivos, Nowosh fixou o valor de R$ 300 mil, que deverá ser revertido em benefícios sociais. “A perniciosa prática constatada reabre feridas históricas oriundas do sombrio período da escravidão institucionalizada, criando inaceitável mácula às conquistas sociais alcançadas ao longo de décadas. Não é demais ressaltar que a abominável conduta patronal caminha no sentido do injustificável retrocesso social, donde se extrai o dever de indenizar a coletividade pelos ilícitos praticados”, pontuou o magistrado, na decisão.

O processo corre em segredo de justiça.

Denuncie o trabalho escravo

As denúncias contra o trabalho em condições análogas às de escravizados podem ser feitas sigilosamente por telefone, pela internet ou presencialmente. Basta ligar para o Disque 100; acessar o portal Sistema Ipê, o aplicativo MPT Pardal ou os sites das Procuradorias Regionais do Trabalho, como o da PRT-1; ou comparecer aos prédios das instituições.

*Imagem ilustrativa: Freepik < VOLTAR