26 de outubro de 2020 . 14:08

Live cultural destaca resistência de Mujica no filme ‘A noite de 12 anos’

Resistir ao confinamento e à tortura foi a grande missão de José “Pepe” Mujica e seus companheiros do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, durante o tempo em que ficaram presos, entre 1973 e 1985. O período foi retratado no filme “A noite de 12 anos”, debatido na live cultural de sexta-feira (23) pela juíza e escritora Andréa Pachá (TJ-RJ) e pela desembargadora do Trabalho Giselle Bondim, com mediação do ex-presidente da AMATRA1 Ronaldo Callado. Os participantes destacaram a resistência dos presos políticos às violências físicas e psicológicas e à falta de liberdade. A conversa está disponível no canal da associação no YouTube e no Facebook.

A obra se concentra na história de três dos nove Tupamaros feitos reféns pelo regime ditatorial uruguaio: José Mujica (Pepe), Mauricio Rosencof (Ruso) e Eleuterio Fernández Huidobro (Ñato). O grupo foi isolado por 12 anos - ou 4.323 dias -, período em que vigorou a ditadura militar no Uruguai. Para o diretor da AMATRA1 e da Anamatra, Ronaldo Callado, a produção é muito relevante para o atual momento do Brasil, “de tanta intolerância e pessoas pedindo a volta de um regime autoritário, como se a democracia não tivesse dado certo”.

“O filme traz muitas reflexões e nos faz pensar no ato de resistir. É muito mais que um filme de ‘heróis’; é sobre resistentes. Eles resistiram às maiores privações, à tortura física e psicológica, ao suicídio. Permanecer doze anos naquelas condições é uma coisa inimaginável”, afirmou.

A desembargadora Giselle também destacou que o longa, lançado em 2018, remete ao presente do Brasil, “em que se pensa e fala de um retorno da ditadura”. “A mensagem do filme é muito clara para mim: ditadura nunca mais”, completou.

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Falar sobre os absurdos e horrores do período ditatorial neste momento delicado pode ser uma maneira de resistir e “exorcizar os fantasmas” do negacionismo histórico e da memória, ressaltou a juíza Andréa Pachá. “Estamos em um momento em que a sobrevivência da liberdade é a nossa sobrevivência”, disse.

Com pouco foco nas torturas físicas às quais Pepe, Ruso e Ñato eram submetidos, o filme exibe o isolamento do mundo e entre si - eles foram mantidos em locais separados e proibidos de se falar, precisando criar um código próprio para se comunicar através das paredes - a vigilância permanente e a falta de condições humanas básicas, como alimentação e instalações inadequadas, por exemplo.

Segundo Ronaldo, a história mostra até onde o ser humano pode chegar, tanto em questões de violência quanto de resistência. Em muitas situações, Pepe é mostrado delirando, em consequência da situação.

“A cena da mãe do Pepe é emocionante porque ele já estava sucumbindo à loucura, achava que tinha um chip implantado na cabeça porque não conseguia parar de pensar. A mãe dele chega ao que parece ser uma das poucas visitas, mas ele acreditava que a mãe o visitava com maior frequência. Ela, então, bate na mesa e diz que ele precisa resistir, sobreviver e não deixar ser enlouquecido”, comentou Ronaldo. 

Para Andréa, foi pela esperança que Mujica, mesmo em meio à desumanização, conseguiu sobreviver. “Sem a esperança, ele teria morrido. E pela esperança que é possível projetar. Estamos vivendo um isolamento tão cruel por causa da Covid-19 que, se não tivermos muito cuidado, nosso processo de desumanização é muito iminente. Temos vividos velórios sem amigos, lutos solitários. Como uma sociedade tem esperança vivendo dessa forma? A esperança passa a ser um fator de sobrevivência e, na história do filme, foi isso que humanizou e permitiu que ele continuasse, apesar de tudo”, disse.

Giselle também falou sobre a desumanização nos sistemas prisionais e no dia a dia dos centros urbanos, em que milhares de pessoas vivem nas ruas. “Não acho que conseguimos nos dizer humanos se convivemos com aprisionamentos degradantes, e também não consigo me sentir humana quando vou à feira e vejo pessoas deitadas na calçada. Eles não têm expectativa, dignidade, direito ao banheiro.”

Apesar de “claustrofóbico”, Andréa Pachá pontuou que o final do filme é feliz, principalmente por saber que Mujica viria a ser presidente do Uruguai anos depois. Após a prisão, José Mujica foi eleito senador, deputado, ministro e presidente do Uruguai (2010-2015). Sua última passagem pelo Senado se encerrou na terça-feira (20), quando, aos 85 anos, renunciou ao cargo, devido à pandemia da Covid-19 e por ter uma doença autoimune. Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández também recuperaram suas vidas, tornando-se jornalista e dramaturgo, e jornalista e escritor, respectivamente.

Veja a live na íntegra:
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