04 de outubro de 2022 . 13:11

Na Piauí, Bárbara Ferrito reflete sobre a política para além das eleições

Na coluna da revista Piauí desta terça-feira (4), a diretora de Cidadania e Direitos Humanos da AMATRA1, Bárbara Ferrito, reflete sobre o contexto brasileiro após o primeiro turno das eleições. No artigo “Eleição é o começo da luta, não o fim”, Bárbara aponta que a sociedade deve permanecer em uma constante luta para que seus direitos, que já foram conquistados, continuem a existir. A juíza ainda analisa a necessidade de se resgatar a participação do brasileiro na política de forma cotidiana, e não apenas nas eleições.

Leia a coluna na íntegra:

Eleição é o começo da luta, não o fim

Política tem de ser vista como atividade diária que vai além da votação de quatro em quatro anos

Estamos rachados. Não há como entender de outra forma os resultados das eleições deste domingo. Um Brasil dividido entre dois projetos aparentemente antagônicos. Brasis que parecem não conseguir mais dialogar. E, enquanto o pessimismo me invade, eu me lembro dos semestres iniciais de minha faculdade de Direito.

Todo início de faculdade, eu percebo, se entrega um livro considerado clássico para o aluno devorar, enquanto sobrevive às matérias propedêuticas. Um desses livros, no meu caso, foi o “A Luta pelo Direito”, de Rudolf von Ihering.

De maneira grosseira, apenas para lançar a ideia, o livro demonstra como o direito é uma arena de luta que deve ser conquistada. E, se umas gerações usufruem de suas benesses, vai também esmorecendo sua força, até que os direitos são colocados em xeque e a geração seguinte se vê obrigada a lutar por eles.

Nesse movimento pendular, nos vemos muitas vezes arrasados pela perda do que nos era basilar. Mas esse é mesmo o movimento: um vaivém de concessões e rupturas. Não podemos nos acomodar ao que já tivemos, à vida ou à sociedade que já vimos. A vida em sociedade exige mais de nós. Acreditar que se caminha sempre para frente demonstra a inocência de nossa democracia ainda jovem e inexperiente.

Assim, independentemente do resultado final das eleições e do cenário que se apresente, é interessante ter em mente que o direito é luta. Luta essa que apenas começou com as eleições. Não acaba com elas. E por mais que repetir luta possa soar vazio ou sem conteúdo, é preciso, nos momentos mais solitários, nos confrontarmos com quem somos como cidadãos, o que desejamos e como podemos obter o que queremos através da política.

Aí está uma palavra que precisa ser resgatada. Política. Na polarização em que nos encontramos, é comum ouvir que não se gosta de política ou que os políticos não prestam, ou que nada adianta. A primeira coisa a perceber é que política não se confunde com políticos. Política é fundamental na vida em sociedade, quer pensando como país, quer como associação, movimento estudantil, grupo de amigos. Como uma mulher negra, eu sei de longe: o pessoal e tudo o mais é político!

Resgatar a política em um momento de fratura social parece ser mais doloroso, mas também é necessário. Resgatar o fazer político como forma de atuar perante o outro e perante a sociedade. Política como a arte de dialogar, de conceder, de ver empaticamente uma situação que não é a sua.

Sendo tudo política, precisamos constatar que não dá para experimentá-la de tempos em tempos. É um fazer prático, cotidiano e corriqueiro. Por isso que o processo de representação popular possui, na verdade, duas etapas: representação e prestação de contas. Nós, no entanto, temos o hábito de esquecer essa segunda parte. Os eleitos passam a ter quase uma carta branca para só sofrerem reveses de suas atuações após o fim do mandato, com a rejeição pela urna. Elegemos quase reis, que tudo podem uma vez recebido o mandato divino. Isso não é democracia. Isso não é cidadania.

O voto tem que ser o começo de uma relação de proximidade, confiança e suporte, nos dois sentidos. E isso vale tanto para quem elegeu seu candidato como para quem não, se este pretende tentar novamente em outra eleição. Se passamos quatro anos sem tocar no assunto, debater as escolhas feitas por nós e por quem nos representa ou pesquisar sobre as propostas elaboradas por eles, sinto dizer, mas somos, na verdade, “cidadãos de IBGE” ou, em outros termos, “brasileiros não praticantes”.

Em uma estrutura política tão grande, é normal que nos sintamos irrelevantes e impotentes, mas a Constituição nos ensina: todo o poder emana do povo. A quem cabe fazer disso uma verdade, somos nós por meio do fazer político diário. Para tanto, um exercício pode ser sugerido aqui: a cada semana, deveremos procurar o que foi feito quanto às nossas principais pautas, ou qual foi a agenda dos políticos que elegemos. Não é muita coisa. Veja se foi tratado de algo importante. Procure pelo Google mesmo ou pergunte aos amigos mais antenados. Siga seus candidatos ou os políticos com os quais não concorda. Vá se inteirando da política feita por eles, para aprender o caminho para o seu próprio agir político.

A participação cotidiana na realidade política do Brasil nos tornará mais conscientes dos embates políticos, das lutas que precisam ser travadas e das resistências a serem fortificadas. Vai ser mais fácil ver novos políticos despontando, sem tanta mediação midiática. Com o tempo, você poderá exigir atuações, compartilhar preocupações e participar mais ativamente do seu mandato, quer individual, quer coletivamente.

Talvez, se cumprirmos o exercício ao longo dos próximos quatro anos, não chegaremos tão desmotivados com os políticos ou desesperançosos com o futuro.

O Brasil não está pronto. Somos uma democracia jovem, formada por um povo com mais histórico de concessões do que de luta, mas isso não significa que não sabemos lutar, construir. Lutar com armas pacíficas, com diálogo e escuta ativa, sem preconceitos. O Brasil é um projeto em construção, ainda temos muita laje para bater. Nesses 34 anos da Constituição, celebramos a força de um documento que trouxe, acima de tudo, esperança e dignidade. < VOLTAR