03 de setembro de 2021 . 14:01

Por fraude em contratos, juíza condena cooperativas e município em R$ 5 mi

Ao constatar irregularidades em contratações que disfarçavam as relações de emprego para negar direitos trabalhistas, a juíza Bárbara de Moraes Ribeiro Soares Ferrito anulou os contratos mantidos entre seis cooperativas e trabalhadores e reconheceu a existência de relação de emprego das rés com os prestadores de serviço. Em exercício na 1ª Vara do Trabalho de Araruama, a magistrada também declarou a nulidade dos contratos entre as cooperativas e o Município de Saquarema. Ela estabeleceu a indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 5 milhões, a ser pago de forma solidária pelas cooperativas e pelo Município.

“O cooperativismo possui raízes históricas e coloca-se como importante instrumento de  integração dos trabalhadores no mercado de trabalho. Trata-se de instituto não somente  autorizado, mas incentivado pelo ordenamento jurídico brasileiro”, pontuou a juíza, na decisão. “Entretanto, atualmente é comum sua utilização como forma de escamotear a relação de emprego e, com isso, evitar o pagamento de diversos direitos trabalhistas histórica e bravamente conquistados pelas pessoas”, completou a diretora de Direitos Humanos da AMATRA1.

A Ação Civil Pública (ACP) foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada em face do Município de Saquarema e das cooperativas Cootrab, Coopsege, Coopeclean, Admcooper, Unieducas e Cooprosau, que atuam nas áreas de serviços gerais, limpeza, educação, tecnologia e saúde. Após denúncia registrada em 2017, o MPT investigou e constatou que as cooperativas usavam o “manto do cooperativismo” para, na prática, contratar trabalhadores e fornecer mão de obra subordinada ao Município sem cumprir os direitos trabalhistas legalmente previstos, “desvirtuando a ordem jurídica nacional”. Além disso, afirmou que o Município de Saquarema contrata serviços das cooperativas fraudulentas, em afronta ao princípio do concurso público.

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Com exceção da Coopsegue, as cooperativas argumentaram que as atividades exercidas respeitam as leis 5.764/1971 e Lei 12.690/2012, que tratam da matéria; afirmaram não ser possível declarar vínculo de emprego em sede de ação coletiva sem a individualização dos supostos cooperados e maior estudo dos casos; e sustentaram que não são fraudulentas, já que seus associados participam ativamente do funcionamento e não são subordinados. O Município de Saquarema, por sua vez, apenas se esforçou para demonstrar a regularidade dos contratos de prestação de serviço firmados com as rés, após procedimentos licitatórios.

A partir da análise de documentos e depoimentos de testemunhas, a juíza Bárbara Ferrito detectou irregularidades adotadas pelas cooperativas, classificando a prática como “verdadeira afronta ao instituto do cooperativismo”. A magistrada expôs os pontos ilegais constatados, sendo eles: análise curricular para contratação; vício de consentimento; ausência de proveito comum, de autonomia, de autogestão, de retribuição pessoal diferenciada e dupla qualidade; e precarização do trabalho.

“As fraudes perpetradas pelas rés violaram preceitos mínimos de proteção ao trabalho, inserindo a coletividade dos seus empregados em precária situação jurídica, à margem da lei, pois laboravam como verdadeiros trabalhadores subordinados e não recebiam os direitos previstos para a relação de emprego. Tratou-se de massiva e persistente violação aos direitos fundamentais dos empregados. Resta evidente o caráter de conduta ilícita suficientemente grave, que gerou danos significativos aos trabalhadores e a toda sociedade, cujo nexo de causalidade emerge da própria lógica entre a ação e o resultado”, pontuou Bárbara Ferrito.

Na sentença, a magistrada determinou que as cooperativas se abstenham de fornecer ou promover intermediação ilícita de mão de obra para terceiros; rescindam, dentro de 180 dias, todos os contratos de prestação de serviços que desrespeitem o cooperativismo; e, no mesmo prazo, formalizem o vínculo de emprego com todos os associados. Foi fixada multa de R$ 300 mil por cada obrigação descumprida.

Ao Município de Saquarema, Bárbara Ferrito ordenou que se abstenha de firmar novas contratações com as cooperativas; rescinda, em 180 dias, os contratos de prestação de serviços mantidos com todas as cooperativas; e publique, no diário oficial e em jornal de circulação na cidade, uma nota informando a população sobre as providências estabelecidas. O descumprimento gera multa diária de R$ 10 mil, limitado a R$ 10 milhões.

A indenização de R$ 5 milhões, assim como as possíveis multas, deve ser convertida à  instituição sem fins lucrativos indicada pelo MPT.

A magistrada estabeleceu, ainda, a expedição de ofícios ao Ministério Público do Estado do  Rio de Janeiro (MPE-RJ), para adotar as providências que entender cabíveis, principalmente em relação ao TAC firmado com o Município de Saquarema, e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), para que verifique a regularidade da atuação da municipalidade, diante dos prejuízos causados ao erário público pela contratação irregular de mão de obra e pela não defesa dos direitos da Fazenda Pública nos processos envolvendo a questão das cooperativas.

Número da ACP: 0100073-92.2019.5.01.0411

*Foto: Reprodução/Google Maps < VOLTAR