29 de junho de 2020 . 15:46
Ritual de despedida e luto são debatidos em live da AMATRA1
Os rituais de despedida a partir da morte e a experiência do luto foram abordados na live cultural da AMATRA1, na sexta-feira (26). Com apresentação da juíza Helen Peixoto, diretora da associação, o magistrado Claudio Olimpio e o professor de Filosofia da UERJ Alexandre Cabral conversaram sobre o filme “A Partida”. O debate foi transmitido pelo Facebook e pelo YouTube.
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, o longa-metragem conta a história do violoncelista Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki), que busca emprego em sua cidade natal e se candidata a uma vaga sem saber qual seria a função a ser desempenhada. Apenas após ser contratado, o protagonista descobre que iria trabalhar em rituais de preparação de corpos.
“A função lhe causa muito assombro mas, ao mesmo tempo, a remuneração do trabalho era muito boa. Então ele fica no emprego e toda a narrativa do filme passa a ser sobre ele se reconhecer nesse trabalho e como todos ao seu redor se veem em relação a isso”, afirmou Claudio Olimpio.
Cabral ressaltou que o filme mostra os dois aspectos do ritual, sendo o primeiro a preparação do corpo para ser limpo. “Essa limpeza na pele significa a transformação do conjunto de sofrimentos e apegos que a vida humana constrói ao longo de sua história.”
O segundo aspecto é o da despedida, considerado pelo professor de Filosofia como o momento mais bonito e difícil. “A despedida não é um simples detalhe que realizamos diante de um cadáver, mas a condição de que a vida desse alguém vá embora em liberdade. Toda estética que é produzida no embelezamento do cadáver indica a coragem de se produzir liberdade porque, ao despedir naquele ritual, diz-se ao outro que é preciso ir e ser livre”, disse.
Leia mais: UFRJ cria fascículos sobre direito dos trabalhadores durante a pandemia
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Olimpio destacou que o processo do ritual budista mostrado no filme é cênico, tratado nos pequenos detalhes. “Apesar de ser algo muito difícil trabalhar com o corpo morto, tem-se um trabalho quase teatral, com movimentos lentos e pensados. Me chamou atenção como é algo integrado à comunidade que está vivenciando o luto e participando daquele ritual.”
No entanto, mesmo com o procedimento fazendo parte da cultura local e sendo integrado à sociedade, a função do trabalhador é discriminada, destacou Helen Peixoto. “O amigo e a esposa do protagonista não aceitam o trabalho dele.”
Para Olimpio, o preconceito com tal tipo de profissão não é restrito à cultura ocidental, sendo evidenciado no filme pelas atitudes dos personagens. “A visão que nós, como juízes, temos sobre trabalho digno e indigno não passa pelos valores que as pessoas retratadas no filme abordam. Não vemos ali nenhum trabalho que seja minimamente indigno. A mulher dele vê o trabalho como indigno e chega a se separar dele por isso; o amigo se recusa a se aproximar dele por conta do trabalho. Ele mesmo, quando consegue o emprego, rejeita por vê-lo com grande menosprezo”, afirmou o magistrado.
Citando o atual momento de pandemia da Covid-19, em que não é possível cumprir o rito comum de velório e enterro para as vítimas da doença, Alexandre Cabral ressaltou que o cadáver não é “meramente ausência de vida”, mas algo que exige decisão e escolha dos que estão ao redor.
“Pula-se o rito e experimenta-se o luto sem despedida. Isso é extremamente problemático porque o cadáver traz histórias, culpas e memórias, e indaga a vida. Todo cadáver fala e, por isso, estar diante de um cadáver é obrigar-se a redecidir o curso de sua história diante de outra história que, ao dizer adeus, continua em nossa história.”
Segundo o juiz Claudio Olimpio, o luto exige os valores de resignação, já que, “frente à morte, só nos resta resignar, porque não há nada a se fazer”; e de desapego. “Somos muito apegados a coisas, valores, bens e pessoas, e o exercício do luto é o de desapegar. Como me afastar dessa pessoa, além do afastamento físico, para poder reconstruir a vida?”, indagou.
Veja íntegra da live da AMATRA1 sobre o filme “A Partida”:
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Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, o longa-metragem conta a história do violoncelista Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki), que busca emprego em sua cidade natal e se candidata a uma vaga sem saber qual seria a função a ser desempenhada. Apenas após ser contratado, o protagonista descobre que iria trabalhar em rituais de preparação de corpos.
“A função lhe causa muito assombro mas, ao mesmo tempo, a remuneração do trabalho era muito boa. Então ele fica no emprego e toda a narrativa do filme passa a ser sobre ele se reconhecer nesse trabalho e como todos ao seu redor se veem em relação a isso”, afirmou Claudio Olimpio.
Cabral ressaltou que o filme mostra os dois aspectos do ritual, sendo o primeiro a preparação do corpo para ser limpo. “Essa limpeza na pele significa a transformação do conjunto de sofrimentos e apegos que a vida humana constrói ao longo de sua história.”
O segundo aspecto é o da despedida, considerado pelo professor de Filosofia como o momento mais bonito e difícil. “A despedida não é um simples detalhe que realizamos diante de um cadáver, mas a condição de que a vida desse alguém vá embora em liberdade. Toda estética que é produzida no embelezamento do cadáver indica a coragem de se produzir liberdade porque, ao despedir naquele ritual, diz-se ao outro que é preciso ir e ser livre”, disse.
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Olimpio destacou que o processo do ritual budista mostrado no filme é cênico, tratado nos pequenos detalhes. “Apesar de ser algo muito difícil trabalhar com o corpo morto, tem-se um trabalho quase teatral, com movimentos lentos e pensados. Me chamou atenção como é algo integrado à comunidade que está vivenciando o luto e participando daquele ritual.”
No entanto, mesmo com o procedimento fazendo parte da cultura local e sendo integrado à sociedade, a função do trabalhador é discriminada, destacou Helen Peixoto. “O amigo e a esposa do protagonista não aceitam o trabalho dele.”
Para Olimpio, o preconceito com tal tipo de profissão não é restrito à cultura ocidental, sendo evidenciado no filme pelas atitudes dos personagens. “A visão que nós, como juízes, temos sobre trabalho digno e indigno não passa pelos valores que as pessoas retratadas no filme abordam. Não vemos ali nenhum trabalho que seja minimamente indigno. A mulher dele vê o trabalho como indigno e chega a se separar dele por isso; o amigo se recusa a se aproximar dele por conta do trabalho. Ele mesmo, quando consegue o emprego, rejeita por vê-lo com grande menosprezo”, afirmou o magistrado.
Citando o atual momento de pandemia da Covid-19, em que não é possível cumprir o rito comum de velório e enterro para as vítimas da doença, Alexandre Cabral ressaltou que o cadáver não é “meramente ausência de vida”, mas algo que exige decisão e escolha dos que estão ao redor.
“Pula-se o rito e experimenta-se o luto sem despedida. Isso é extremamente problemático porque o cadáver traz histórias, culpas e memórias, e indaga a vida. Todo cadáver fala e, por isso, estar diante de um cadáver é obrigar-se a redecidir o curso de sua história diante de outra história que, ao dizer adeus, continua em nossa história.”
Segundo o juiz Claudio Olimpio, o luto exige os valores de resignação, já que, “frente à morte, só nos resta resignar, porque não há nada a se fazer”; e de desapego. “Somos muito apegados a coisas, valores, bens e pessoas, e o exercício do luto é o de desapegar. Como me afastar dessa pessoa, além do afastamento físico, para poder reconstruir a vida?”, indagou.
Veja íntegra da live da AMATRA1 sobre o filme “A Partida”:
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