02 de maio de 2025 . 17:58

Trabalhadores em condições análogas à escravidão são resgatados em Minas

Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho (MPT), resgataram dois trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em Planura, no Triângulo Mineiro, após denúncias recebidas pelo Disque 100. Durante a ação, entre 8 e 15 de abril, uma das vítimas foi encontrada com uma tatuagem que tinha as iniciais de dois empregadores, revelando um contexto de tortura, abuso sexual e ameaças sistemáticas.

A operação retirou as vítimas do ambiente de exploração, oferecendo assistência médica, psicológica e social por meio de clínicas especializadas da Unipac e da UFU. Segundo o auditor fiscal Humberto Camasmie, as vítimas foram submetidas a um processo de coisificação, com violência física, sexual e psicológica sistemática.

Os trabalhadores, um homem homossexual e uma mulher trans uruguaia, foram aliciados em sociais, como Facebook e Instagram, com promessas falsas de trabalho. A primeira vítima trabalhou durante quase nove anos sem registro, salário ou descanso, sob vigilância constante e ameaças, enquanto a segunda sofreu descontos abusivos em seu salário e foi mantida em situação de dependência mesmo após deixar a casa dos empregadores.

As investigações constataram que o homem foi tatuado com as iniciais “A.J” como forma de marcar a posse sobre seu corpo. Vídeos apreendidos mostram que abusos sexuais e torturas, incluindo episódios de mutilação e tentativas de enforcamento, eram usados como forma de controle emocional das vítimas. A mulher trans, que aceitou a  promessa de emprego por um salário de R$ 700, sofreu um acidente vascular cerebral após meses sob estresse extremo.

A Polícia Federal prendeu os três empregadores em flagrante. A fiscalização também descobriu, no local, uma escola particular onde uma criança de 12 anos realizava tarefas de limpeza, o que configurou um quadro de exploração de trabalho infantil. O trabalhador resgatado também prestava serviços no estabelecimento e em um supermercado local, onde foi localizado após dias desaparecido.

Minas Gerais lidera o vergonhoso ranking de trabalho escravo no Brasil, segundo atualização divulgada pelo MTE. O estado é responsável por 159 dos 745 nomes da lista, o que representa 21% do total. Em 2024, Minas já havia registrado 165 casos trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão, respondendo por 22% das ocorrências nacionais. A maioria das novas ocorrências está ligada a atividades rurais, mas também houve 18 registros de trabalho doméstico. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, quatro empregadores aparecem na lista, três deles adicionados na atualização mais recente.

O Ministério Público do Trabalho atua para garantir as verbas trabalhistas das vítimas, que receberão três meses de seguro-desemprego especial. Denúncias de situações semelhantes podem ser encaminhadas pelo Sistema Ipê (https://ipe.sit.trabalho.gov.br) ou portal Gov.br, mediante identificação. O sigilo é garantido.

A abolição legal e a permanência da exploração

A abolição da escravidão no Brasil, formalizada pela Lei Áurea em maio de 1888, representou um passo crucial no reconhecimento da liberdade como direito fundamental, extinguindo a possibilidade legal de propriedade de seres humanos. No entanto, a assinatura da lei não erradicou práticas que negam a liberdade e a dignidade das pessoas. A lógica de exploração, herdada do sistema escravocrata, ainda persiste de forma disfarçada em práticas de trabalho que tratam indivíduos como instrumentos descartáveis, demonstrando que a abolição legal não significou, na prática, a conquista plena da cidadania para todos.

Desde a década de 1940, o ordenamento jurídico brasileiro passou a prever a punição do que se convencionou chamar de trabalho escravo contemporâneo, como  práticas que mantêm trabalhadores sob condições degradantes, com jornadas exaustivas, restrição de locomoção ou servidão por dívida. 

Maio de reflexão e enfrentamento ao trabalho escravo

A AMATRA1, em conjunto com a Escola Judicial, promoverá uma atividade no TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região) para refletir criticamente sobre os impactos sociais e jurídicos da abolição da escravidão no Brasil, no dia 13 de maio, data em que foi assinada a Lei Áurea em 1888. 

A proposta está vinculada à discussão e à implementação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e do Protocolo Antidiscriminatório. Os dois foram formulados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) para orientar a magistratura na análise de casos que envolvam discriminação e violações de direitos fundamentais.

A iniciativa faz parte da programação pensada para o mês voltada para a proteção de direitos fundamentais, que inclui não só o 13 de maio, mas também o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado no dia 18. A data é marcada por ações de conscientização e reforça o compromisso institucional com a prevenção e o enfrentamento das diversas formas de violência contra crianças e adolescentes.

Com informações do UOL - Foto de capa: Divulgação/Auditoria Fiscal do Trabalho.

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