‘A pandemia demanda negociação’, dizem Alves e Adriana em artigo

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‘A pandemia demanda negociação’, dizem Alves e Adriana em artigo
A pandemia do novo coronavírus impactou profundamente o mercado de trabalho e provocou mudanças significativas na legislação trabalhista. No artigo “Negociação coletiva como legítimo instrumento de democracia”, o presidente da AMATRA1, Flávio Alves Pereira, e a 2ª vice-presidente, Adriana Leandro de Sousa Freitas, afirmam  que o diálogo coletivo é a saída para solucionar impasses nas relações entre empregadores e trabalhadores.

“A pandemia, embora traga uma situação de extrema excepcionalidade, demanda o diálogo, a negociação. É assim que as esferas de governo estão se comportando, utilizando o diálogo para definição das melhores diretrizes e estratégias para que a doença não tome proporções irreversíveis”, afirmam.

Os magistrados entendem como razoável privilegiar negociações coletivas entre empregados e empregadores a respeito da suspensão dos contratos de trabalho e de redução de jornada, em detrimento das meramente individuais, como prevê a Medida Provisória 936/2020.

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Eles destacam ser “de difícil compreensão a resistência da presença da figura do sindicato de trabalhadores, principalmente quando o tema é a redução salarial, não obstante essa redução somente seja permitida através da negociação coletiva, conforme garantido constitucionalmente”.

Flávio e Adriana afirmam, ainda, que a negociação coletiva evidencia a boa-fé - “um dos primados da convivência democrática” -, a transparência e o consenso na solução de conflitos entre as partes. “Se estamos todos no mesmo barco, que os nossos problemas sejam resolvidos através do diálogo coletivo e com amplo debate.”

Leia o artigo na íntegra:

Negociação coletiva como legítimo instrumento de democracia

Negociar é a palavra da moda em tempos da pandemia do novo coronavírus. As notícias jornalísticas destacam que os proprietários e inquilinos estão negociando através de seus advogados ou administradores. Estabelecimentos de ensino negociam com os pais a possibilidade de descontos, assim como os shoppings centers, fechados há quase um mês, também o fazem com os lojistas, mas sempre nas notícias se percebe a presença de suas respectivas entidades e/ou associações representativas. Ou seja, ainda que num momento essas notícias sugiram a negociação individual, sempre há uma intermediação das entidades representativas e/ou de suas associações.

Em 1º de abril de 2020, foi publicada a Medida Provisória 936/2020, prevendo a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho e da redução da jornada através de acordo meramente individual. Num momento, como o que se vive, sem precedentes, entende-se que o razoável seria privilegiar também a negociação coletiva entre empregados e empregadores, até porque essa é a regra constitucional vigente (1).

É de difícil compreensão a resistência da presença da figura do sindicato de trabalhadores, principalmente quando o tema é a redução salarial, não obstante essa redução somente seja permitida através da negociação coletiva, conforme garantido constitucionalmente (2).

A pandemia, embora traga uma situação de extrema excepcionalidade, demanda o diálogo, a negociação. É assim que as esferas de governo estão se comportando, utilizando o diálogo para definição das melhores diretrizes e estratégias para que a doença não tome proporções irreversíveis.

Se é assim em tantos setores da vida nacional, é mais do que evidente que a negociação coletiva é uma saída de extrema importância para os atores sociais do campo do trabalho, principalmente empresas de pequeno e médio porte que sustentam a economia do país e mantêm um número imenso de postos de trabalho.

A insistência em não se privilegiar a negociação coletiva pode gerar um revés, ou seja, a desproteção para ambos os atores sociais, empregados e empregadores, podendo custar a própria sobrevivência do negócio e também a do próprio trabalhador. Os países da Europa têm incentivado a promoção do diálogo entre empregados e empregadores.

Quando se privilegia a negociação coletiva, está-se privilegiando o diálogo, a autonomia coletiva, a sobreposição do direito individual em prol do coletivo, aparam-se arestas, definem-se direitos e deveres e o mais importante, são observadas as peculiaridades das categorias envolvidas. Isso é democracia, que não deixou de existir, felizmente, em tempos de Covid-19.

A negociação coletiva traz em seu bojo um dos primados da convivência democrática, ou seja, a boa-fé. Demonstra que houve transparência no diálogo sustentado pelos legítimos representantes de trabalhadores e empregadores, obtendo-se a solução a partir de um consenso. Além disso, a negociação traz responsabilidade para ambas as partes, fixando os seus direitos e deveres. A reticência à negociação, pois, não deveria ocorrer.

O Brasil é um país com economia recessiva, estagnada há pelo menos três anos. A criação de empregos é tímida, para não dizer irrisória. Mesmo assim, a lamentável retórica tem sido o afastamento cada vez maior da essência de qualquer relação de trabalho, a negociação através da voz coletiva. Esse é o momento de resgatá-la, de trazê-la para a realidade, para que não haja, após a passagem da fase tão única que ora vivenciamos, desproteção para empregados, empregadores e para a própria sociedade.

Renegar e insurgir-se contra a negociação coletiva é desmerecer o texto constitucional, a democracia e, principalmente, deixar à margem os pequenos e médios empregadores que não terão consciência de que uma negociação individual feita sem base, isolada, desprovida de assistência de seus legítimos representantes, poderá trazer prejuízos muito mais graves logo ali na frente, derivadas da judicialização de questões que poderiam ter sido objeto de uma solução simples e coletiva.

O custo para o pequeno e médio empregador é muito grande. Também o é para a grande empresa, que, ainda tenha uma estrutura econômico-jurídico-financeira não está livre de firmar um acordo que possa gerar prejuízo ao empregado.

Ignorar o caminho negocial coletivo sob a falsa conclusão de que ela não é necessária ou cabível nesse momento caótico, é negar os prejuízos ainda maiores que poderão daí advir. É sonegar a informação a milhares de pequenos e médios empregadores que tem no seu negócio a sua sobrevivência e de sua família.

Se estamos todos no mesmo barco, que os nossos problemas sejam resolvidos através do diálogo coletivo e com amplo debate. Não se alteram as regras durante do jogo, já informa o dito popular. A Constituição Federal é o nosso esteio e a nossa garantia de que poderemos passar por essa crise e nos levantar para seguir nosso caminho mais a frente.

(1) Artigos 7º e 8º, Constituição Federal.

(2) Art. 7º, VI, Constituição Federal.