‘Descobriram o ovo de Colombo da fraude’, diz Vrcibradic sobre pejotização

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‘Descobriram o ovo de Colombo da fraude’, diz Vrcibradic sobre pejotização
O desembargador aposentado Damir Vrcibradic afirmou que a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender o andamento das ações judiciais sobre pejotização destoa da Constituição e compromete a competência da Justiça do Trabalho. Para ele, a medida abre brechas a fraudes nas relações de trabalho e cria uma barreira artificial ao acesso dos trabalhadores à jurisdição especializada.

“A barreira criada, com todo respeito, não parece a mais conforme à Constituição. A competência da Justiça do Trabalho é para as relações de trabalho, não fala em relações de emprego, é algo muito mais amplo. Está realmente restringindo a competência”, disse o magistrado ao criticar a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes que, no âmbito do Tema 1389, paralisou todos os processos que discutem a existência de vínculo empregatício em casos de pejotização. 

Ele afirmou que o entendimento de que o trabalhador deve primeiro recorrer à Justiça comum antes de buscar o reconhecimento de vínculo empregatício “não tem o menor sentido ante à garantia fundamental da Constituição de apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça ao direito”. 

Segundo Damir, “quem determina qual o direito que quer ver protegido é quem acha que o tem, o autor da ação. Se isso não for reconhecido, a ação é improcedente, se o órgão judicial invocado se dá por incompetente, a ação é extinta ou declinada a competência em favor de outro órgão. Mas decidir a priori que o trabalhador não pode postular reconhecimento de vínculo parece exagerado”. 

Para o desembargador, a Corte passou a atuar como órgão revisor de uma verdadeira avalanche de ações trabalhistas, em inversão à sua competência maior de guardiã da Constituição. Na busca de filtros para conter o número crescente de recursos, não deu destaque aos citados princípios fundamentais.

Vrcibradic declarou que a pejotização, em muitos casos, encobre relações de subordinação típicas do contrato de emprego, o que é matéria para apreciação, à vista das provas, em processo trabalhista. “A Justiça do Trabalho reconhece o vínculo porque há fraude. O trabalhador continua obedecendo ordens, cumprindo horário e sem poder se fazer substituir.  Isso é relação de emprego”, afirmou. 

Admitir que o artifício de constituir uma empresa pode implicar que uma pessoa possa seja obrigada a prestar serviços de forma habitual, subordinada, pessoal e mediante remuneração definida é, na prática, reconhecer uma relação de locação de trabalho, ainda que disfarçada. Segundo ele, trata-se de um retrocesso que nos leva de volta às Ordenações e ao Código Civil de 1916, apagando, com uma esponja, a conquista histórica representada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“Descobriram o ovo de Colombo da fraude. Agora, as empresas estão nadando de braçada”, disse. Também alertou para os efeitos fiscais da decisão, indicando que o prejuízo se estende mais ainda, porque as empresas adotam esse modelo para evitar encargos como férias, décimo-terceiro,  salário e recolhimentos previdenciários.

Criticou ainda o avanço de mecanismos como súmulas vinculantes, precedentes e jurisprudências obrigatórias, que reduzem a independência dos juízes. “Estão transformando um juiz de primeiro grau num carimbador. Ele não julga, apenas aplica o que já foi decidido. Daqui a pouco, com a inteligência artificial, nem de juiz vai precisar”, diz o desembargador. 

Damir concluiu afirmando que “a obrigatoriedade de respeito aos precedentes não é natural na evolução de nosso direito. É natural do direito anglo-saxão, com a doutrina do stare decisis, em que a criação do direito basicamente é fruto da construção jurisprudencial. Nossa norma é a de decisão por livre convencimento do juiz natural, e até a avocatória, adotada aqui por curto espaço de tempo, foi extirpada para subsistir em hipótese especialíssima”. 

As declarações do desembargador ocorrem no contexto da mobilização organizada pela Anamatra, com forte participação da AMATRA1, em resposta à decisão do STF sobre processos envolvendo pejotização. O ato nacional de 7 de maio teve a adesão de juízes, procuradores e advogados em diversas capitais. No Rio de Janeiro, a manifestação teve ampla cobertura da imprensa, que destacou críticas à suspensão dos processos e alertas sobre o enfraquecimento da jurisdição trabalhista.

Damir Vrcibradic é natural do Rio de Janeiro e ingressou na magistratura em 1988 como juiz substituto. Promovido por merecimento em 1992, presidiu diversas Juntas de Conciliação e Julgamento no Rio e passou a atuar nas Turmas e Seções Especializadas do TRT-1 a partir de 1995. Foi promovido a desembargador em 2002, integrou o Órgão Especial e foi eleito ouvidor do Tribunal para o biênio 2011/2013. Aposentou-se em maio de 2012.

Foto de capa: Damir Vrcibradic/Arquivo pessoal.

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