Uma Linha de Planilha
A quem interessa a fragilização do Judiciário? Uma movimentação financeira ‘atípica’ efetuada em 2002 colocou a Justiça do Trabalho do Rio em todos os noticiários nos últimos dias. A data grita aos olhos: a questão vem a público passada nada menos que uma década. E a fonte da informação também chama atenção. Diga honestamente: até poucos dias atrás, você já havia ouvido falar do COAF? A sigla que nomeia o conselho do Ministério da Fazenda responsável pelo controle de atividades financeiras no país era uma ilustre desconhecida da maior parte da semana passada.
O fato é que uma movimentação financeira da ordem de R$ 282 milhões ao longo de um ano foi detectada, envolvendo “alguém ligado” ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Ponto. Este é o fato, verbalizado e noticiado, sem especificar nomes ou cargos. Mas, neste momento, importa observar a pergunta que paira no ar, sugerida nas entrelinhas: a Justiça tem idoneidade para cumprir seu papel? Em verdade, a questão que se levanta é de maior fôlego: quais as raízes mais profundas que levam o tema da moralidade da Justiça a entrar em pauta?
Antes que o leitor se apresse em sentenciar o texto nos extremos do corporativismo ou do conspiracionismo, esclareço que nosso objetivo aqui em nenhum momento é questionar se o Coaf é competente para realizar o acompanhamento financeiro em questão (espera-se dele este papel) e nem o tempo decorrido do fato (em casos em que a coisa pública é lesada, não há prescrição de crime). No entanto, chamamos atenção para o momento em que a divulgação do fato foi realizada, pois não se trata de uma investigação ainda. Tudo gira em torno de um dado de relatório, uma linha de planilha que servirá como ponto de partida de apuração.
E apuração decerto haverá. Uma Justiça forte é o avesso de uma Justiça cega para si mesma. Admitir falhas, quando elas acontecem, e, mais que isto, reparar os erros, é uma condição desta característica de fortaleza que se almeja. A Justiça não foge e nunca fugirá do seu compromisso com o cidadão e com o país, respeitado sempre o devido processo e a ampla defesa, sem linchamentos públicos.
Levar a público uma informação que ainda não foi apurada e investigada suscita muitas perguntas. A quem interessa a fragilização do Judiciário por meio de denuncismos na imprensa? A quem interessa propagar entre o público a sugestão de que a Justiça não é idônea, justamente às vésperas da discussão – polêmica, diga-se – sobre o papel de regulação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)? A quem interessa colocar em conflito a autonomia de corregedorias locais e federais? Mesmo correndo o risco de ser taxado de corporativista ou conspiracionista, não sei a quem a fragilização do Judiciário pode interessar, mas sei a quem ela definitivamente não interessa: ao Brasil e a democracia.
André Villela
Juiz do Trabalho, titular da 46ª Vara do Trabalho/ RJ
** Publicado no jornal O Globo de 21 de janeiro de 2012