O Poder Executivo Federal, na figura da Presidência da República, vem desrespeitando a Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional ao desconsiderar critérios já consagrados pelo Judiciário na promoção de juízes. A insistência nesse modelo de escolha, que ignora tanto o critério de antiguidade quanto o de merecimento, poderá contaminar os tribunais com disputas políticas, hoje travadas em outros Poderes da República. O alerta partiu do recém-empossado presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV), Daniel Souza de Nonohay.
Em nota pública distribuída à sociedade gaúcha, o juiz criticou, sem se referir a nenhum tribunal especificamente, as últimas nomeações de desembargadores para os TRTs. No dia 28 de maio, o tribunal gaúcho deu posse a dez novos desembargadores do Trabalho, todos nomeados pela presidente Dilma Roussef, a partir de lísta tríplice. Os magistrados promovidos preenchem cargos criados pela Lei 12.421/2011, que ampliou o quadro da corte de 36 para 48 desembargadores.
Segundo a Amatra IV, no entanto, foram desrespeitados critérios como o de que, nas vagas destinadas a juízes por merecimento, um juiz que tenha aparecido em três listas consecutivas deve ser automaticamente empossado como desembargador. Além disso, a entidade afirma que não tem sido respeitada a alternância prevista na lei entre vagas por merecimento e por antiguidade.
Conforme Nonohay, o Poder Executivo omitiu-se, por vários meses, em nomear os juízes de carreira constantes de listas que lhe foram enviadas, ‘‘causando prejuízos aos jurisdicionados e descumprindo regras e princípios constitucionais’’. Ele teme que essa discricionariedade, exercida, na prática, pelo presidente da República, possa levar ao comprometimento da independência do juiz.
‘‘Ao se avocar o direito de escolher qualquer nome que figure na lista, o Poder Executivo abre margem para que sindicatos, partidos políticos e outras pessoas naturais ou jurídicas influenciem na escolha dos juízes que comporão a cúpula de todos os tribunais federais, segundo as suas conveniências’’, adverte.
Aos 38 anos, Daniel Nonohay é juiz trabalhista desde 1999 e já atuou nas cidades gaúchas de Santa Cruz do Sul, Farroupilha, Estância Velha, Santa Vitória do Palmar e em varas do Trabalho de Porto Alegre, sendo atualmente titular da 1ª Vara do Trabalho de Gravataí, município da região metropolitana. Formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pós-graduou-se em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). O líder classista aceitou conversar com a reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico, em entrevista por e-mail.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor critica as últimas nomeações de desembargadores dos TRTs?
Daniel Nonohay — A presidente Dilma Roussef represou a análise de dezenas de listas de promoções enviadas por tribunais regionais do Trabalho e por tribunais regionais federais. Há casos de listas que permaneceram por mais de um ano no aguardo da nomeação. Não houve qualquer explicativa para esse retardo do Poder Executivo, que acarretou a ausência do juiz no tribunal e o consequente prejuízo dos jurisdicionados envolvidos nos respectivos processos.
ConJur — Como, em sua opinião, as nomeações deveriam ser feitas?
Daniel Nonohay — Os juízes são promovidos ao tribunal por dois critérios: antiguidade e merecimento. Um é promovido por antiguidade, o seguinte, por merecimento, e assim sucessivamente. No caso do merecimento, é realizada uma votação pelo tribunal. São indicados três nomes ao presidente da República, para que escolha um. A fim de evitar prejuízos decorrentes de antipatias injustificadas com este ou aquele juiz, a Constituição Federal estabelece uma regra objetiva: o juiz que constar, pela terceira vez, numa lista de promoção por merecimento, deve ser o escolhido. O Poder Executivo desconsiderou essa regra e essa tradição em algumas das últimas nomeações, avocando-se a possibilidade de escolher qualquer nome da lista, de acordo com a sua conveniência. Pior do que isso. Ao adotar esse procedimento, não só desconsiderou nomes de juízes que figuravam nas listas de merecimento por três vezes como promoveu na vaga seguinte, cujo critério era a antiguidade, juiz mais novo do que o preterido na vaga de merecimento.
ConJur — Em qual caso concreto isso aconteceu?
Daniel Nonohay — Tomo como exemplo as listas de promoções encaminhadas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região para a Presidência no mês de setembro de 2011. As promoções respectivas somente resultaram integralmente analisadas no último dia 24 de maio de 2012.
ConJur — Se o Poder Executivo usa critérios próprios para promoção dos juízes, em dissonância com a Constituição e com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, não caberia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF?
Daniel Nonohay — Tramitam, hoje, Mandados de Segurança contra a presidente, impetrados pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pelos juízes prejudicados, em virtude de nomeações que desrespeitaram os critérios mencionados. Foram concedidas, liminarmente, as seguranças nestes mandados, que tratam de listas enviadas pelos tribunais regionais do Trabalho da 2ª e da 15ª Região, que obstaram a posse dos juízes escolhidos pelo Poder Executivo.
ConJur — Qual a posição do Conselho Nacional de Justiça?
Daniel Nonohay — O CNJ não se manifestou sobre estes casos.
ConJur — Uma possível luta político-partidária dentro do Judiciário pode impedir que os juízes atuem com independência?
Daniel Nonohay — O Judiciário é integrado por pessoas cuja capacidade foi aferida de forma técnica, por meio da aprovação em concurso público e, posteriormente, pelo processo de vitaliciamento. Sua estrutura funcional respeita, prioritariamente, o critério objetivo da antiguidade, a fim de que sejam evitadas distorções decorrentes de preferências pessoais, ideológicas, políticas, religiosas etc. Este critério é pontualmente suavizado, como no caso das promoções, pela análise do merecimento. Ao se avocar o direito de escolher qualquer nome que figure na lista, o Executivo abre margem para que sindicatos, partidos políticos e outras pessoas naturais ou jurídicas influenciem na escolha dos juízes que comporão a cúpula de todos os tribunais federais, segundo as suas conveniências. Os reflexos nefastos disso são óbvios.
ConJur — Os juízes do Trabalho vêm tendo respeitadas suas prerrogativas?
Daniel Nonohay — De modo geral, sim. O que procuramos fazer ver e, por vezes, não somos devidamente compreendidos, é que não repassar os índices de inflação aos nossos subsídios é uma forma indireta dos demais Poderes de nos pressionar e retaliar nossa atuação.
ConJur — Quais são seus objetivos à frente da Amatra da 4ª Região?
Daniel Nonohay — A maior parte das críticas que o Poder Judiciário recebe hoje diz com procedimentos administrativos adotados por nossos tribunais. Na minha avaliação, esses equívocos administrativos decorrem, principalmente, da estrutura de decisão e da forma escolha dos dirigentes dos tribunais, como um todo, que ainda observam um modelo que provêm do período da ditadura militar. Nesse sentido, nosso principal objetivo é avançar na democratização dos tribunais, em especial o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, com adoção da eleição direta, por todos os juízes, para os cargos de direção. Temos um compromisso, também, de mostrar à sociedade a essência daquilo que faz o juiz do Trabalho, um juiz comprometido com os direitos sociais, que abarcam não só o Direito do Trabalho, mas também o de proteção à infância, à maternidade, à saúde, à educação, entre outros. Um juiz que optou por trabalhar numa forma especial de processo, que implica contato direto e pessoal com as partes e que não se refugia, indiferente à realidade social, no ar-condicionado do seu gabinete.