A presença feminina na magistratura cresceu significativamente ao longo das últimas décadas, refletindo avanços sociais e na igualdade de gênero no Judiciário. Quatro juízas associadas compartilharam, em entrevista à AMATRA1, suas trajetórias, desafios e conquistas, que mostram como essa evolução tem se consolidado. As vivências da desembargadora Rosana Salim, das juízas Claudia Siqueira, Bianca Merola e da juíza aposentada Aurora Coentro são exemplos do crescimento da participação das mulheres nos tribunais, mas também chamam atenção para a contínua luta por reconhecimento e respeito.
Embora o número de magistradas tenha aumentado, os desafios persistem. Os relatos feitos por elas mostram como ainda é necessário reafirmar constantemente a autoridade, equilibrar as exigências da vida pessoal e profissional e persistir no combate ao machismo estrutural. Ainda assim, suas trajetórias demonstram que a presença feminina no Judiciário vai além da representatividade: ela fortalece a instituição, humaniza e amplia seu compromisso ético. As histórias a seguir refletem não apenas essas conquistas individuais, mas também o caminho que o TRT-1 tem percorrido na busca pela equidade de gênero.
Rosana Salim
A desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo ingressou na magistratura em 1987, aos 27 anos, e construiu uma trajetória marcada pela dedicação e pela inovação no Judiciário. Atuou como juíza substituta em diversas varas e alcançou a titularidade da 21ª e da 70ª Vara antes de ser promovida a desembargadora pelo TRT-1 em 2002. Desde então, ocupou cargos de destaque, incluindo duas eleições para o Órgão Especial, a vice-presidência do Tribunal e a presidência da 5ª Turma.
Ao longo de sua carreira, Rosana observou a evolução da presença feminina na magistratura e pôde constatar a sensibilidade diferenciada das mulheres no exercício da profissão. A magistrada enfatiza a necessidade de combate ao machismo, mas acredita que as mulheres conquistaram seu espaço no Judiciário. “Nós temos uma sensibilidade maior para tratar o humano. Deslumbramos além dos autos. Vejo as mulheres galgando espaços e conseguindo chegar aqui no Tribunal e em outras carreiras”, afirma Rosana.
Um dos momentos mais marcantes de sua carreira ocorreu durante a greve dos profissionais da saúde no Rio de Janeiro, em 2018. “Outras mulheres ficaram sem receber os salários e muitas estavam grávidas. Nós temos essa jornada dupla, casa e trabalho. Nas audiências, as mulheres subiam na tribuna e falavam de todos os sacrifícios. Ter conseguido terminar essa greve e convencer o prefeito prefeito Crivella a pagar os salários dos trabalhadores da saúde foi muito marcante”, relata.
Além disso, a desembargadora foi pioneira na conciliação de processos no segundo grau, ideia que se expandiu para todo o Brasil e resultou na criação do Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos). O projeto reduziu a demanda de julgamentos e foi reconhecido pelo CNJ com o Prêmio Innovare.
Claudia Siqueira
A trajetória da juíza Claudia Siqueira da Silva reflete a crescente presença feminina na magistratura brasileira. Ela iniciou sua carreira no TRT-1 como servidora em 1994 e, após uma década, tornou-se juíza substituta. Em 2016, foi promovida à juíza titular, passando por diversas varas até assumir, atualmente, a 5ª Vara do Trabalho de São Gonçalo.
Para Claudia, a principal dificuldade foi equilibrar a vida profissional e pessoal. “Precisamos equilibrar nossa vida profissional e pessoal, principalmente para quem é mãe, e ao mesmo tempo mostrarmos nossa dedicação, garra, força e vontade de aprender”, afirma. Segundo ela, a presença feminina nos tribunais tem aumentado significativamente, o que garante maior representatividade e a quebra de paradigmas.
“Podemos ser assertivas sem perder a ternura, o que é uma característica feminina. Outro grande desafio é a quebra do paradigma. Entender que a mulher tem amplas condições de ocupar esses cargos”, observa Claudia.
Ela também reconhece que, embora a resistência à presença feminina tenha sido maior no passado, hoje o cenário é mais inclusivo, com um número expressivo de mulheres ocupando cargos de liderança.
“Nós temos presidentas nas associações da magistratura. Isso aumenta a visibilidade da capacitação feminina para cada vez maior ingresso. Tudo com apoio também dos magistrados que estão nos dando esse espaço. É uma gestão conjunta, de forma que todos possam ocupar seu espaço sem atravessar o do outro e, assim, construir um futuro de participação coletiva”.
Bianca Merola
Antes de ingressar na magistratura, Bianca Merola da Silva foi servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Em 2020, foi aprovada no concurso e tomou posse no TRT-8, que abrange os estados do Pará e Amapá. No ano seguinte, conseguiu transferência para o Rio de Janeiro, atuando primeiro na 5ª circunscrição, que inclui Campos e Macaé, até se estabelecer na capital fluminense, onde atualmente trabalha na 3ª e na 17ª Varas do Trabalho.
Para ela, a presença feminina no Judiciário ainda enfrenta barreiras, especialmente no comando de audiências. A magistrada destaca que a postura dos advogados muda significativamente dependendo do gênero do juiz. “Às vezes, eles nem ouvem o que falamos. Ficam debatendo entre si na mesa. É como se não estivéssemos ali, como se houvesse uma invisibilidade”, relata. Segundo Bianca, a figura masculina ainda impõe mais respeito imediato, enquanto as mulheres precisam reafirmar constantemente sua autoridade.
Apesar dos desafios, Bianca vê avanços na maior participação das mulheres na magistratura. Para ela, a presença feminina traz um olhar mais atento para questões como assédio e trabalho escravo, além de humanizar o ambiente forense.
“Quando trazemos a mulher para o cargo de juíza e para dentro do Judiciário, conseguimos acolher melhor todo mundo. É como se fosse aquele coração de mãe. As partes conseguem ter um ambiente mais acolhedor”, conclui.
Aurora Coentro
A juíza aposentada Aurora de Oliveira Coentro dedicou 23 anos à magistratura, após uma longa trajetória como advogada e professora. Ingressou na carreira em 1987 e atuou em diversas varas, turmas do tribunal e no pleno, onde encontrou sua verdadeira vocação. Para ela, a experiência na magistratura foi enriquecedora, principalmente por mediar conflitos entre capital e trabalho. Ao se aposentar, em 2011, optou por não voltar à advocacia e priorizou seu crescimento pessoal, a convivência com a família e o prazer de viajar.
Ao longo de sua carreira, Aurora acompanhou a crescente participação feminina no Judiciário, embora reconheça que ainda há desafios a serem superados. “Aos poucos, a mulher está ocupando o seu espaço de fala e de pertencimento. Nós tivemos bons momentos no TRT-1 e vários exemplos, como a Anna Acker, que é um símbolo”, diz. Ela destacou o papel de magistradas que chegaram à presidência, como Doris Luise e Maria de Lourdes Salaberry.
No entanto, também mencionou as dificuldades enfrentadas por essas mulheres, especialmente ao combater condutas inadequadas dentro da Justiça. “Não foi fácil, mas foram mulheres que combateram, sobretudo, uma ‘banda errada’ que sempre existiu no Tribunal, embora uma minoria. Foram todos punidos”, conta.
A juíza também ressaltou a importância da magistratura do trabalho como um dos ramos mais próximos da realidade social do país. O desafio não é apenas ser mulher, mas garantir que os juízes estejam conectados com a sociedade e suas demandas. “Quando um empregado busca a Justiça para reivindicar um direito violado, é fundamental que o juiz tenha diálogo com todas as partes e aproxime o Judiciário da população que precisa dele”, afirmou.
Apesar dos avanços, Aurora reforça que o compromisso ético deve ser a prioridade, independentemente do gênero. “É importante termos pessoas com princípios e valores na magistratura, que estudem os processos e cumpram seu dever com seriedade”, pontua. Mesmo assim, ela celebra a crescente presença das mulheres na Justiça do Trabalho e reforça a importância de garantir um Judiciário mais acessível e comprometido com a sociedade.
Mês Internacional da Mulher e a Mulher na Magistratura
Março é um convite à reflexão sobre os avanços e os desafios das mulheres na sociedade. O dia 8, em especial, simboliza as conquistas femininas, mas também reforça que ainda há um longo caminho para superar barreiras, especialmente em ambientes historicamente dominados por homens, como o judiciário.
Na magistratura, a presença feminina cresce a cada ano, mas as mulheres ainda enfrentam o desafio de conciliar a carreira com a vida familiar, além de lidarem com estigmas e desigualdades de gênero.
Mais do que uma data, o 8 de março é uma oportunidade de reconhecer e homenagear a trajetória de mulheres que dedicam sua atuação à Justiça e a tantas outras áreas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.
Foto de capa: da esquerda para a direita, de cima para baixo: Rosana Salim, Claudia Siqueira, Bianca Merola e Aurora Coentro.
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