Presidenta da AMATRA1 aponta distorções na aplicação da lei e como produtores têm se beneficiado em detrimento de trabalhadores e do mercado
A juíza Daniela Muller, presidenta AMATRA1, avaliou que o aumento de pedidos de recuperação judicial no agronegócio expõe um uso equivocado da lei por produtores rurais. Em entrevista recente ao portal UOL, Daniela explicou que a prática tem desvirtuado o objetivo do instrumento legal, que deveria ser utilizado com o objetivo de reestruturar empresas em crise e preservar empregos, e não para reduzir dívidas ou, de forma prolongada, para proteger patrimônios.
“O empresário é o responsável pelos riscos do negócio — até porque é ele que fica com o lucro, com os benefícios. O trabalhador precisa do salário para sobrevivência”, afirmou a presidenta da Amatra1.
O alerta da magistrada ganha relevância diante do cenário do setor: o Banco do Brasil registrou R$ 12,73 bilhões em atrasos de mais de 90 dias nos pagamentos agrícolas, provocando queda de 60% no lucro do segundo trimestre de 2025, com inadimplência concentrada principalmente no Sul e Centro-Oeste, incluindo R$ 2,27 bilhões em recuperações judiciais. Para especialistas, o aumento de pedidos não reflete crises reais e compromete a credibilidade do setor.
O Banco do Brasil acompanha atualmente 808 clientes em recuperação judicial de um total de R$ 5,4 bilhões, parte do valor ainda fora do balanço por se referir a vencimentos futuros. A crise no agronegócio tem múltiplas causas, incluindo pandemia, elevação de juros e dificuldades de financiamento, mas também envolve práticas consideradas oportunistas, com escritórios de advocacia incentivando pedidos de recuperação que não se enquadram na lei.
De acordo com dados da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial no agronegócio cresceram 45% no primeiro trimestre de 2025 em comparação ao mesmo período do ano anterior. O aumento reflete custos elevados, prazos longos para recebimento de pagamentos e exigências rigorosas de garantias, pressionando o fluxo de caixa e limitando opções de gestão.
Alguns escritórios têm promovido a recuperação judicial como instrumento de negociação prolongada, oferecendo condições como carência de até dois anos e prazos de até dez anos para quitação de dívidas, além de descontos significativos. Especialistas jurídicos alertam que tais estratégias podem configurar fraude e comprometer a confiança do mercado.
Casos emblemáticos, como o do conglomerado Safras em Cuiabá, expõem a aplicação irregular do mecanismo, incluindo pedidos com documentação incompleta ou inclusão de indivíduos que não se enquadram como produtores rurais. Processos suspensos em razão de ilegalidades demonstram a necessidade de criteriosa análise judicial e servem como referência para futuras decisões.
O cenário tem levado o Conselho Nacional de Justiça a abrir comissão especial para aprimorar a atuação do Judiciário nos processos de recuperação e falência do setor agrícola, com objetivo de separar pedidos legítimos de estratégias fraudulentas. O aumento das recuperações judiciais irregulares suscita debates sobre a sustentabilidade do modelo de funcionamento do agronegócio e a necessidade de alternativas para acesso a crédito, como plataformas de financiamento inovadoras e integração com o mercado financeiro.
Com informações do UOL.
Casos de tráfico de pessoas crescem quase 60% em cinco anos no país
Casal é condenado por submeter mulher a trabalho forçado por mais de 30 anos