03 de março de 2022 . 12:57

‘Maria Alice deixou as mais valiosas lições de vida para sua família’

A juíza do Trabalho Ana Teresinha de França Almeida e Silva Martins, diretora da AMATRA1, publica o texto “Singela Heroína” na coluna “Mulheres, por elas mesmas”, nesta quinta-feira (3). Estreando a segunda edição da coluna semanal, a magistrada homenageia a capixaba Maria Alice, abordando sua trajetória de vida. Neste ano, para celebrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, a iniciativa da Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos da Associação tem como foco mulheres que são fontes de inspiração para as autoras.

Singela Heroína

por Ana Teresinha de França Almeida e Silva Martins

Neste mês dedicado à figura feminina, eu não poderia escolher falar sobre outra mulher que não essa sobre quem passo a escrever. 

Entretanto, não há como deixar de dizer que há muitas mulheres que admiro e que, de algum modo, com mais ou menos intensidade, fizeram parte da minha jornada e me inspiraram com suas atitudes concretas, com seus exemplos de vida, ou apenas com as palavras certas dirigidas a mim naqueles momentos em que mais precisei. 

Não parece justo, diante de um universo tão vasto de mulheres excepcionais por sua inegável contribuição à história, à ciência, às artes, à economia, à política, ao desenvolvimento de múltiplos setores relevantes de nossa sociedade, eleger apenas uma delas para falar a respeito.

Porém, seria ainda mais injusto não prestar minha homenagem aqui à mulher que escolhi. 

Maria Alice nasceu em 1946 e passou quase metade de sua vida vivendo em uma cidade de pouco mais de 7 mil habitantes, no interior do Espírito Santo. 

Gostava de política, tinha enorme paixão pela música e por cantar, era dotada de grande capacidade argumentativa e assertividade, mas não foi para a faculdade.

Por opção da família, foi enviada a cursar a chamada Escola Normal e, ao concluí-la, passou a dar aulas no Jardim de Infância de sua cidadezinha. Ali ficou até se casar, aos 31 anos de idade, um pouco mais velha para os padrões daquela época, mas Maria Alice não tinha pressa alguma e não ligava a mínima acaso seu destino fosse o de ficar “solteirona”, apesar de ser inegavelmente muito bonita e ter vários “bons partidos” da cidade como pretendentes. Maria Alice queria mesmo era ser feliz fazendo as coisas de que gostava e não achava que o casamento era a única opção de felicidade para uma mulher, um pensamento minoritário na sociedade de sua época. 

Mas Maria Alice se casou e em seguida parou de trabalhar para cuidar bem da casa e do marido. E pouquíssimo tempo depois engravidou e teve uma filha. Alguns anos depois engravidou novamente e perdeu a segunda filha no parto. E a despeito de toda a dor que isso representou para ela, continuou cuidando exemplarmente da casa, da primeira filha, do marido… Dedicou-se exclusivamente a eles e fez isso da melhor forma que podia e melhor do que ninguém. 

É possível que Maria Alice tenha aberto mão de muitos sonhos para cuidar bem dos seus e se dedicar tanto a eles. Seu destino pode ter sido uma opção própria ou pode ter sido determinado pelas contingências da época e de seu casamento. 

Vale lembrar que às vezes Maria Alice se ressentia ao afirmar que as mulheres na mesma condição que ela não costumam ter suas atividades domésticas reconhecidas e que, portanto, preferia que sua filha não tivesse o mesmo destino que ela, de cuidar apenas da família e de não ter um emprego que a permitisse ser totalmente independente. 

Aos 64 anos Maria Alice descobriu um câncer muito agressivo e os médicos lhe deram 6 meses de vida. Mas Maria Alice, ao seu modo, cheia de fé e amor pela vida, foi bastante guerreira e, contrariando todos os prognósticos, viveu por mais quatro anos, entre muitas sessões de químio e altos e baixos, tamanho o seu amor pela vida e sua vontade de continuar cuidando bem dos seus. 

Maria Alice deixou as mais valiosas lições de vida para sua família no período em que mais sofreu, sempre fazendo parecer que sua dor era menor do que a que realmente sentia. Mostrou uma força capaz de deixar orgulhosa qualquer outra mulher!  

Maria Alice faleceu no dia em que sua filha tomou posse como juíza no Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, podendo, assim, partir em paz. 

Maria Alice era minha mãe. < VOLTAR