19 de março de 2020 . 13:03

Coronavírus: Juiz Marcelo Segal responde 10 dúvidas sobre questões trabalhistas

O juiz Marcelo Segal, diretor da AMATRA1, esclarece 10 dúvidas geradas pelo impacto do coronavírus no mundo do trabalho. Em meio à pandemia, o titular da 26ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro explica que os empregadores podem dar férias coletivas aos trabalhadores, aderir ao teletrabalho e, na impossibilidade do home office, devem conceder licença remunerada.

“Nesse caso, o empregado não trabalhará, mas receberá o salário normalmente”, afirma.

Segal destaca que as empresas devem a disponibilizar aos funcionários material de proteção contra a infecção, como máscaras e álcool gel, caso o trabalho continue a ser prestado em suas dependências.

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O juiz ressalta que o empregado pode pedir resolução do contrato por culpa do empregador caso se recusem a adotar formas de prevenir o contágio pela Covid-19, que ataca o sistema respiratório. Da mesma forma, o trabalhador pode ser punido e até dispensado por justa causa se apresentar resistência em se adaptar às medidas de combate ao coronavírus.

Leia as respostas do juiz Marcelo Segal às dúvidas geradas pela pandemia do coronavírus:

1 - Posso dar férias coletivas aos empregados?
Marcelo Segal: Sim, as férias coletivas podem ser concedidas para toda a empresa ou apenas alguns setores dela. Ocorre que, por Lei, as férias devem ser comunicadas aos empregados com pelo menos 30 dias de antecedência (Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, artigo 135) e pagas até 2 dias antes do início do descanso (CLT, artigo 145). Além disso, as férias coletivas precisam ser comunicadas com 15 dias de antecedência ao Ministério da Economia e ao sindicato de classe dos empregados (CLT, artigo 139, parágrafo 2º), exceto para as microempresas e empresas de pequeno porte, que não precisam comunicar ao Ministério da Economia. Como se vê, há burocracia que, a meu sentir, deve ser parcialmente flexibilizada num momento de tamanha dificuldade e incerteza pelo qual passamos. Penso que a comunicação ao empregado com 30 dias de antecedência e ao Ministério da Economia e ao sindicato com 15 dias poderia ser momentaneamente dispensada. Ainda que se entenda por não flexibilizar, o descumprimento geraria apenas multa administrativa — e não ganho direto para o trabalhador. Já o descumprimento do prazo de 2 dias antes para pagamento das férias pode gerar a obrigação de pagamento em dobro, na forma da Súmula 450 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas muitos poderão sustentar — com certa razão — que se trata de força maior, situação que isentaria punição. Filosoficamente, o prazo de 30 dias de antecedência na comunicação seria destinado ao planejamento das férias, até mesmo para uma viagem, o que está proibido em muitos locais ou altamente desaconselhável em todo o país e no exterior. Já o pagamento 2 dias antes seria para fazer frente às despesas adicionais nas férias, que igualmente não ocorrerão. Então, não vejo porque a situação do empregado ficaria tão desfavorecida por ele receber as férias no mesmo dia de início delas ao menos na situação periclitante que estamos passando. Talvez o maior problema para os contadores seja fazer esse lançamento fora dos prazos legais no e-social que, contudo, precisa ser adaptado para essa realidade, ainda que provisoriamente.

2 - Posso mudar o trabalho dos empregados para home office?
MS: Sim. Havendo consenso (vontade mútua que pode ser flexibilizada diante da situação atual que recomenda isolamento domiciliar), pode haver alteração da forma de prestação de serviço do presencial para home office. A Lei exige que seja assinado um aditivo contratual (CLT, artigo 75-C, parágrafo 1º), mas não tem sentido fazer o empregado se deslocar até a empresa para assiná-lo. Assim, acho prudente que a comunicação seja feita por algum meio eletrônico (mensagem, e-mail, etc) e, depois que tudo passar e voltarmos à normalidade, solicitar a assinatura do empregado, deixando tudo documentado para o futuro.

3 - Se a atividade empresarial não puder abrir e não comportar home office, o que fazer?
MS: Nesse caso, o empregado será considerado de licença remunerada, ou seja, não trabalhará mas receberá o salário normalmente. Se esse período superar 30 dias, o empregado perderá as férias do ano seguinte (CLT, artigo 133, II).

4 - Posso reduzir o salário dos empregados no período em que ele não vai trabalhar?
MS: Individualmente, não. A única forma de reduzir o salário seria por meio de acordo coletivo ou convenção coletiva, conforme artigo 7º, VI, da Constituição Federal. Portanto, eventual redução deverá ser negociada com o sindicato de classe dos empregados. Penso que a maioria dos sindicatos sequer admitirá negociar isso ou, quando admitir, vai solicitar alguma vantagem para os empregados em contrapartida. Lembro que o artigo 2º da Lei 4.923/65, que prevê a possibilidade de redução de salário e de carga horária, igualmente exige a participação dos sindicatos na negociação, não podendo ser feita unilateralmente e nem mesmo pela Justiça. Aliás, para muitos o artigo em questão sequer foi recepcionado pela Constituição Federal, que não mais fixa limite de eventual redução em 25% e se encontra em patamar superior à Lei ordinária.

5 - Caso o empregado não trabalhe nesse período, é possível exigir no futuro a compensação desse tempo não trabalhado?

MS: Sim. Não sendo possível o home office para determinada atividade, o empregado receberá seu salário mesmo sem trabalhar, mas quando a situação passar e as coisas voltarem à normalidade, tendo em vista que a paralisação sucedeu em razão de força maior, o empregador poderá exigir 2 horas extras pelo prazo máximo de 45 dias para compensação, na forma do artigo 61, parágrafo 3º, da CLT.

6 - Posso obrigar o empregado de fazer testes de COVID-19?
MS: O tema é muito polêmico, mas considerando o interesse público que não recomendaria a manutenção do trabalho de pessoa infectada, creio que a exigência pode ser feita, mas com os custos pagos pelo empregador.

7 - A empresa é obrigada a disponibilizar máscara e álcool gel?
MS: Sim. Se o trabalho continuar a ser prestado nas instalações físicas do empregador, todo cuidado material que puder ser adotado para suavizar ou reduzir a chance de infecção deve ser providenciado pelo empregador, a exemplo dos citados, assim como a proibição de aglomeração ou proximidade de empregados e outras medidas sanitárias eficazes.

8 - Se o empregador não fornecer as medidas de proteção, o que o empregado pode fazer?
MS: Pode pedir a resolução do contrato, ou seja, declarar rompido o contrato de trabalho por culpa da empresa, com base no artigo 483, “c”, da CLT.

9 - Se o empregado nega a adequação a essas medidas, o que o empregador pode fazer?
MS: Pode punir o empregado. Dar-lhe advertência e, se perseverar a situação, suspendê-lo (prazo máximo de 30 dias, e nesse caso sem recebimento de salário). Em caso de comportamento crônico do empregado, que reitera na má-conduta mesmo já tendo sido punido anteriormente, poderia até dispensá-lo por justa causa.

10 - Como tratar os casos de trabalhadores suspeitos e infectados com o COVID-19?
MS: Os empregados com suspeita de infecção devem ser afastados do convívio com os demais empregados e submetidos a exame com a maior brevidade possível. Para os comprovadamente infectados, a segregação é compulsória e, nos primeiros 15 dias, o empregador deve pagar os salários normalmente, sendo que, a partir do 16º dia, o empregado será encaminhado ao INSS para receber auxílio por incapacidade temporária (novo nome do auxílio-doença). Lembro que nos dias em que o empregado precisar se ausentar para a realização de exames, testes e, se for o caso, isolamento e quarentena, não pode haver desconto de seu salário, conforme Lei 13.979/20, artigo 3º, parágrafo 3º, mas o INSS assumirá o pagamento a partir do 16º dia e até a recuperação total. < VOLTAR