A Escola Judicial do TRT-1 (Ejud1) realizou o seu 2º simpósio, nesta terça-feira (13), com o tema “Decolonialidade, povos originários e trabalho: um olhar sobre o passado/futuro”. O evento propôs uma reflexão crítica sobre o significado da abolição formal da escravidão em 13 de maio de 1888, buscando analisar a permanência de práticas de exploração no Brasil e as consequentes responsabilidades institucionais. Palestrante, a presidenta da AMATRA1, Daniela Muller, afirmou que o combate ao trabalho escravo contemporâneo exige mais do que o cumprimento das normas já estabelecidas.
“O dia 13 marca uma postura ativa do judiciário trabalhista nesse combate. Apesar de termos um arcabouço jurídico completo em relação ao tema, ainda percebemos uma imensa impunidade das pessoas que se beneficiam desse tipo de exploração”, afirmou Muller, representando o Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do TST, na mesa de abertura. “O Judiciário não pode simplesmente esperar que o tempo resolva as coisas. É preciso agir desde já, identificando as dificuldades e os pontos que dificultam a sua atuação, para conseguir coibir esse tipo de prática de forma eficiente”.
A mediação das mesas de debate ficou sob a responsabilidade da desembargadora Márcia Regina Leal Campos, coordenadora do Subcomitê Regional de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade do TRT-1 e associada da AMATRA1. Ao conduzir as discussões, destacou o trabalho do subcomitê no combate ao silenciamento histórico das populações marginalizadas e enfatizou a necessidade contínua de debate e ação. Também valorizou o simbolismo do evento no 13 de maio e expressou orgulho em ocupar um espaço de visibilidade enquanto mulher negra.
“Tentamos dar voz a pessoas que representem negros, povos originários, mulheres e LGBTQIA+. Fico ainda mais honrada, porque estou aqui como mulher negra, afrodescendente, numa posição que hoje me dá um certo destaque e me permite falar nesse local com todos“, disse.
O simpósio reuniu pesquisadores que abordaram temas relacionados à decolonialidade e aos direitos das populações historicamente marginalizadas. Daniela Muller iniciou o debate criticando a visão colonizada e embranquecida do Direito do Trabalho, que trata a luta por melhores condições laborais como algo importado da Europa e que ignora as raízes escravocratas e racistas da realidade brasileira. Também destacou como o racismo estrutural continua a influenciar a sociedade, mencionando a exclusão histórica das trabalhadoras domésticas na criação da CLT.
A professora Gabriela Barreto de Sá, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), tratou das relações entre direito e escravidão a partir da análise da carta de Esperança Garcia, destacando a importância das “escrevivências” — conceito de Conceição Evaristo — para revisitar e desnaturalizar as memórias cristalizadas sobre a escravidão no Brasil. A palestrante criticou visões estereotipadas ainda presentes no Judiciário e resgatou exemplos históricos de resistência.
O professor Felipe Santos Estrela de Carvalho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisou a aplicação do direito de consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais no Brasil. Em sua apresentação, apontou as dificuldades práticas de efetivação desse direito, previsto em instrumentos internacionais e nacionais, ressaltando a experiência das comunidades quilombolas na elaboração de protocolos próprios como instrumentos de defesa territorial e de afirmação de sua autonomia política. Também enfatizou o papel do Poder Judiciário, em especial da Justiça do Trabalho, na mediação desses conflitos, frente à ofensiva de uma agenda neoextrativista que ameaça os direitos territoriais e socioambientais dessas populações.
Encerrando as exposições, Fernanda Kaingáng, diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, abordou a inserção dos povos indígenas no mercado de trabalho. Ela denunciou o genocídio recorrente dos povos indígenas no Brasil, resultado de violência física, cultural e institucional, que reduziu milhares de povos e línguas a uma ínfima minoria. Criticou a invisibilização e a negação de direitos, o uso do trabalho indígena em condições análogas à escravidão, a contaminação ambiental e a exclusão dos povos originários dos processos decisórios.
O evento integrou as atividades do Dia de Denúncia contra o Racismo e reafirmou a proposta da Escola Judicial de promover debates sobre direitos humanos, relações de trabalho e equidade, conectando fatos históricos e lutas sociais contemporâneas.
Foto de capa: Daniela Muller, Gabriela Barreto, Felipe Santos, Márcia Regina Leal e Fernanda Kaingáng.
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