Entre 2020 e 2024, Polícia Federal instaurou 1.946 investigações, mas menos de 10% viraram ações penais
O número de inquéritos abertos anualmente pela Polícia Federal para apurar tráfico de pessoas saltou de 322 para 511 entre 2020 e 2024, um aumento de quase 60%, segundo levantamento do Ministério Público Federal (MPF). Apesar do crescimento, apenas 183 ações penais foram propostas no período, revelando lacunas estruturais na identificação do problema, na investigação e, consequentemente, na responsabilização dos autores. A tipificação mais ampla do crime foi incluída no Código Penal apenas em 2016 e, desde então, segue pouco aplicada no sistema de Justiça brasileiro.
Sem capacitação dos profissionais que lidam com as denúncias e com vítimas muitas vezes silenciadas, o Judiciário enfrenta dificuldades para tipificar corretamente o crime, que frequentemente aparece vinculado a outros ilícitos, como trabalho análogo à escravidão e exploração sexual.
A partir de 2016, com a reforma legal, o tráfico de pessoas passou a englobar práticas como aliciamento, transporte e acolhimento de indivíduos sob coação ou fraude, com fins diversos, como exploração sexual, remoção de órgãos e trabalho forçado. Antes disso, o ordenamento jurídico restringia a definição ao tráfico para fins sexuais. A atualização legal, no entanto, ainda não se refletiu de forma efetiva nas decisões judiciais, de acordo com análises acadêmicas e avaliações do Ministério Público.
Além da dificuldade de tipificação, a atuação institucional diante do crime é marcada pela baixa efetividade. Dados do MPF indicam que, dos quase dois mil inquéritos instaurados nos últimos cinco anos, apenas 211 processos chegaram aos tribunais superiores. A lentidão do Judiciário também aparece como fator crítico: uma pesquisa da UFMG identificou que o tempo médio para a conclusão de uma ação penal por tráfico internacional de pessoas é de dez anos e dez meses.
Estudos também apontam a subnotificação como uma das principais barreiras à repressão. O crime, por vezes cometido em redes transnacionais ou em territórios de difícil acesso, como áreas rurais e regiões de garimpo ilegal, envolve práticas clandestinas que dificultam a identificação das vítimas. Muitas sequer reconhecem que foram alvo de tráfico ou não denunciam por medo, vergonha ou ameaças.
A escassez de formação específica entre os operadores do direito também contribui para o não reconhecimento do tráfico em investigações que envolvem violações associadas, como trabalho escravo, contrabando de migrantes e exploração em cultivos agrícolas. A avaliação é compartilhada por pesquisadores e membros do Ministério Público, que defendem maior investimento em capacitação e escuta qualificada das vítimas.
Com o objetivo de enfrentar parte dessas deficiências, o MPF criou, em outubro de 2024, a Unidade Nacional de Enfrentamento ao Tráfico Internacional de Pessoas e ao Contrabando de Migrantes. A estrutura busca articular o combate ao crime em nível nacional e internacional, com foco nas novas modalidades de aliciamento, incluindo casos em que brasileiros são levados a países asiáticos para trabalhar em esquemas ilegais de fraudes digitais.
Os destinos mais frequentes das vítimas brasileiras de tráfico internacional seguem sendo países europeus, como Espanha, Itália, Portugal e Suíça, especialmente para fins de exploração sexual. Contudo, têm aumentado os relatos de recrutamentos virtuais para atividades fraudulentas em regiões como o Sudeste Asiático.
O descompasso entre a legislação, os dados de investigações e as respostas judiciais reforça a percepção de que o tráfico humano permanece um crime invisibilizado no país. Pesquisadores e instituições apontam que, enquanto os índices crescem, o Brasil ainda carece de uma política integrada de prevenção, repressão e proteção às vítimas.
Neste 30 de julho, Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a data reforça a importância da mobilização institucional e social contra o crime. Criada pela Organização das Nações Unidas, a iniciativa visa ampliar a conscientização global sobre a gravidade do problema, fortalecer estratégias de proteção às vítimas e incentivar o aprimoramento das respostas legais e operacionais nos países.
Com informações do jornal O GLOBO.
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